Pelo segundo verão consecutivo, veranistas, surfistas e pescadores não poderão acessar a plataforma de Atlântida, em Xangri-lá. A estrutura está interditada desde outubro de 2023, após ter desabado parcialmente. Um laudo técnico vai determinar o futuro da plataforma, mas a conclusão desta análise está atrasada: prevista para ocorrer antes da alta temporada, ainda não saiu.
A estrutura é um dos símbolos do verão gaúcho, tida como principal cartão-postal de Xangri-lá. Pessoas que veraneiam no balneário nas últimas décadas nutrem sentimentos de carinho e, mais recentemente, de preocupação com a plataforma, com escombros expostos há um ano e dois meses.
O empresário Luciano Lonardi viveu praticamente todos os seus 54 anos ao lado da plataforma. Até hoje, faz questão de abrir seu guarda-sol ao lado da estrutura. Por ter uma casa de praia nos arredores, carrega grande memória afetiva pelo local.
— A memória que eu tenho é de infância, meu pai trazendo a gente de carro aqui. Depois comecei a frequentar a praia e a surfar. Todo mundo começou a surfar aqui porque sempre dava as melhores ondas — relembra.
Para Lonardi, é inaceitável que um ponto tão badalado do litoral permaneça dessa maneira:
— O sentimento é de desleixo, incompetência total. Não é possível que uma praia como Atlântida, cheia de casas boas, tenha isso atirado assim.
Desde que a atração foi fechada, há placas alertando para o risco de desabamento da estrutura. Mesmo assim, os veranistas não abrem mão de fazer atividades em volta do local.
O médico Nelson Spritzer, 70 anos, vai à beira da praia apenas para caminhar e tem a plataforma como principal referência no trajeto.
— É uma sensação mista, de nostalgia, de lembrar o tempo bom quando ela funcionava e, ao mesmo tempo, a tristeza de ver ela do jeito que está — lamenta.
Já quem surfa pelas redondezas precisa ter atenção redobrada. A orientação é que os praticantes não se aproximem da plataforma. Além do risco de uma nova queda de estrutura, as partes que já cederam podem aumentar o risco de acidentes.
— Atlântida é uma praia que tem muita corrente. Então muitas vezes a gente está surfando de um lado da plataforma, atravessa e segue do outro lado. Então o risco é neste momento que a gente está atravessando, porque os escombros acabam caindo e ficando concentrados — explica Fernando Pegoraro, que surfa há quatro décadas no balneário.
Outra atividade impulsionada pela plataforma, a pesca perdeu força nesta área. Alguns pescadores ainda buscam por peixes na beira do mar, como é o caso de José Otávio de Souza, 69. Mesmo assim, ele reconhece haver menos oferta do que quando subia na estrutura e diz preferir se deslocar para outras praias.
— A gente não consegue (pescar como antes), mas eu tenho ido para Cidreira, a gente pesca lá naquela plataforma, tenho uns parceiros que se juntam e vão lá para pescar — conta.
Futuro indefinido
O futuro da plataforma passa por um laudo técnico elaborado pelo Laboratório de Ensaios de Modelos Estruturais (Leme) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Esse estudo foi solicitado após um acordo envolvendo prefeitura, Associação dos Usuários da Plataforma Marítima da Atlântida (Asuplama) — responsável por manter a plataforma até o desabamento —, Ministério Público Federal (MPF), Advocacia-Geral da União (AGU), Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e Marinha do Brasil.
Esse documento deve determinar se a plataforma pode ser restaurada de forma segura, ou se será necessária a demolição. Nos dois casos, a prefeitura de Xangri-lá pretende assumir a posse da estrutura, e diz já ter empresas interessadas em apoiar uma eventual reforma. Em caso de derrubada, outras ideias são avaliadas, como a construção de molhes, como os que existem em Torres.
A entrega do laudo sofreu atrasos. A previsão mais recente era de apresentação em outubro, o que não se confirmou. No dia 17 de dezembro, o Leme enviou um documento aos órgãos competentes informando a impossibilidade de concluir o estudo. Conforme o texto, pesquisadores chegaram a fazer vistorias no local, mas tiveram que interromper o trabalho devido a questões climáticas e ao comportamento do oceano.
Cerca de 70 elementos chegaram a ser examinados, como pilares, vigas e lajes, mas o número representa uma fração muito pequena do todo. Para concluir a análise, será necessário o trabalho com auxílio de jet skis, o que só é possível com mar menos revolto.
— Agora em janeiro pode ser que tenha uma janela (período com maré mais baixa), mas geralmente em fevereiro o mar dá uma subida. A gente está torcendo para que a UFRGS consiga contratar o pessoal que faz o serviço subaquático para auxiliar nas pesquisas e que o mar ajude para que esse laudo possa ser cumprido com êxito — projeta o vice-prefeito de Xangri-lá, Frederico Freire Figueiró, que evita dar prazos.
A Asuplama aguarda por um desfecho. A entidade viu o número de associados cair de 350 para 30 desde a interdição e precisa se desdobrar para manter o único funcionário. O presidente, José Luís Rabadan, reconhece que a associação não terá mais condições de assumir a gestão da plataforma, caso ele seja restaurada, mas espera que a entidade mantenha relevância.
— Nós não estamos excluídos, temos esperança de que lá na frente a prefeitura solicite a posse da plataforma e que tenhamos um espaço, uma sede — comenta Rabadan.
Zero Hora tentou contato com o Ministério Público Federal (MPF) e com o Leme, da UFRGS, mas não teve retorno até esta publicação.