Leonel dos Santos não para durante o dia: logo cedo, o artista desenrola o papel crepom, corta as tiras e dobra em formato de flor. Prende as pétalas a um palito de madeira, até chegar a um buquê com uma centena de rosas vermelhas, repousado no cesto que parece de taipas de pedra. À tarde, o paletó dobrado na bancada vai para um cabide. Já a mistura de creme hidratante e pó metálico colore primeiro os dedos, terminando por cobrir todo o rosto.
O movimento cessa com a chegada da noite, quando Leonel se transforma na estátua humana O Florista. Imóvel na tentativa de convencer o público que ocupa o centro de Capão da Canoa, quebrará o rígido encanto de bronze em troca de alguma prata.
— Uma vez uma menina me disse que daria um milhão de moedinhas se as tivesse. Que a minha performance era a mais linda que ela tinha visto — emociona-se o ator, de 60 anos, ao relembrar o elogio recebido em 2013, seu primeiro ano caracterizado.
O artista é natural de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, mas no verão se muda de mala – kombi – e cuia para o Litoral Norte. O veículo é sua residência durante a temporada, com uma cama improvisada sobre toras de madeira. Acolhido pelo dono do estacionamento “Pimpa”, na Rua Moacir, ele tem a proteção dos muros, a necessária economia de hospedagem e as refeições diárias, do café à janta. Em troca, atua na gestão da garagem.
— Não cobro nada porque ele é uma pessoa do bem — resume o empresário Heraldo Mossmann, 71 anos, dono do estacionamento.
O Florista se apresenta todas as noites, na Rua Sepé, em frente ao shopping, perto da praça do camelódromo. É atração para todas as idades, mas as crianças viraram seu principal público. As flores moldadas na kombi são entregues como agradecimento pela contribuição — a desculpa de não ter trocados no bolso é vencida pela tecnologia.
— Olha ali, coloquei um QR Code pra quem quiser fazer um PIX — surpreende.
Como estátua humana, o produtor cultural viveu também o símbolo da entrada de Porto Alegre, o Laçador. Performou no Parque da Redenção, na Rua dos Andradas, no Rodeio Internacional de Vacaria e em inúmeras feiras do livro por todo o Estado. Em Estância Velha, próximo de casa, mantém há 29 anos a companhia Teatro Produção Urbana, com o mesmo foco: entreter e educar a gurizada através de peças infantis e contação de histórias.
Nos palcos do balneário, batalha por cerca de R$ 100 todos os dias.
— Trabalhar com crianças é muito recompensador. A gente recebe o carinho pela nossa entrega. A arte não busca o dinheiro somente – pondera.
A arte o escolheu, como gosta de definir, desde seus 14 anos: o tímido Leonel foi convocado pela professora para ser protagonista nas peças da turma. Durante a pandemia, a dura realidade de quem vive da cultura bateu à porta, e recorreu ao auxílio emergencial disponibilizado à sua classe.
Surpresa para os desavisados
Sem intenção, garante, protagonizou cenas de espanto desde que se traveste de monumento.
— A arte é sensorial, e as pessoas gostam de tocar. Uma senhora uma vez tocou na minha mão e gritou "ai, é mole". Outra, gari em Porto Alegre, reclamou "mas o que que deu no prefeito pra colocar tanta estátua na rua?" — diverte-se.
Após uma noite na rua, entre fotos com crianças, encaradas de adultos e tentativas de desestabilizá-lo, O Florista volta para o estacionamento. Retira terno, sapato, camisa e gravata borboleta. E esfrega o sabonete insistentemente para voltar à vida de carne e osso.
Confira a entrevista de Leonel no programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha: