Troca de mensagens eletrônicas entre veranistas e moradores de Xangri-Lá de que a prefeitura pretendia liberar a construção de espigões gerou polêmica na cidade nos últimos dias. A audiência pública marcada para terça-feira (18), que discutiria um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre o município acabou cancelada por decisão judicial. O motivo, porém, não foi a altura dos edifícios, mas um possível descumprimento de liminar que impedia a revisão do plano diretor da cidade até que problemas de saneamento fossem solucionados.
Nesta quarta-feira (19), GaúchaZH conversou com o prefeito de Xangri-Lá, Cilon Silveira, e com o coordenador do diagnóstico, arquiteto, doutor em Urbanismo e professor da UFRGS Benamy Turkienicz, que desmentiram os boatos.
— Não existe isso — disse o prefeito.
— Não está em questão — reforçou o professor da UFRGS.
Segundo Turkienicz, o estudo, inclusive, não recomenda a liberação de prédios mais altos na cidade. São cerca de 500 páginas detalhando questões como saneamento e mobilidade urbana, por exemplo.
— Em Xangri-Lá, os prédios podem ter, no máximo, sete andares nas avenidas. E na beira da praia não é permitida a construção de edifícios altos. E vai continuar assim — disse o coordenador do estudo, deixando claro que esse era o entendimento do diagnóstico e o seu, pessoal, ao analisar os dados.
A íntegra do estudo não foi liberada para a reportagem. A prefeitura ficou em dúvida se poderia fornecer os dados, já que existe uma discussão judicial sobre o tema. Mas algumas informações foram repassadas. Conforme o professor, com base no atual plano diretor, Xangri-Lá só utilizou, até o momento, 25% de seu potencial construtivo, e o principal problema detectado no município é ambiental.
— Já existem claros sinais de contaminação do lençol freático por coliformes fecais, principalmente por causa das fossas rudimentares — conta Turkienicz.
A fossa citada é aquela por onde todo o esgoto cloacal é lançado em um sumidouro. O líquido vai para o solo sem qualquer filtro e a parte sólida do resíduo precisa ser recolhida por sucção. Turkienicz acrescenta que o problema de saneamento é o principal empecilho para o desenvolvimento de Xangri-Lá, já que não há como aumentar o número de construções sem resolver essa pendência ambiental e de saúde pública.
— Se continuar assim, vai chegar um momento em que vamos tomar banho de mar em áreas contaminadas — ressaltou o professor, ao lembrar do tratamento quase insignificante de esgoto da cidade.
Revisão
O prefeito Cilon Silveira disse que começou uma discussão sobre a revisão do plano diretor pois, legalmente, é obrigação da administração municipal tratar do tema a cada 10 anos. Ele garante que não descumpriu a liminar. No entendimento da prefeitura, o momento ainda é de discussão, e não de apresentação de propostas. Silveira sustenta que a iniciativa é para que o município possa tratar de seu desenvolvimento, mas sempre respeitando as questões legais. A última revisão do plano diretor de Xangri-Lá ocorreu em 2010.
Para o procurador da República Cláudio Terre do Amaral, que moveu a ação judicial, houve descumprimento da decisão liminar anterior:
— A audiência pública é uma etapa da revisão do plano diretor. O Estatuto da Cidade é claro nisso — sustenta o membro do Ministério Público Federal (MPF), ressaltando que o órgão não tem qualquer oposição à revisão do plano diretor, mas que existe uma decisão judicial impedindo o aumento construtivo da cidade por questões de saneamento.
— Pelo simples fato de que o sistema atual de esgoto já é insuficiente. O aumento de construções geraria consequências ainda piores, como, por exemplo, o comprometimento da balneabilidade das praias.
Proprietários de residências na praia de Atlântida ouvidos pela reportagem mostraram-se contrários à ideia de aumento do tamanho dos prédios na cidade.
— Sou contra, porque muda completamente a característica da praia. Tenho a impressão de que o ar não circula na beira da praia nessas cidades com espigões — opina o administrador Maycou Pereira Assis, 36 anos, ao apontar para a cidade de Capão da Canoa, que fica bem próxima à sua residência.
O funcionário público Fernando Cavalcanti Júnior, 61 anos, recém havia chegado de viagem quando recebeu GaúchaZH em sua residência à beira-mar. Proprietário do imóvel há 22 anos, considera muito difícil tal discussão prosperar.
— Para quem constrói casa boa, gosta de reunir a família, seria ruim. Eu, por exemplo, fujo de lugares como Camboriú (em Santa Catarina, praia com grande número de espigões à beira-mar). Mas isso dificilmente vai passar — sustenta Cavalcanti Júnior, que também recebeu mensagens em seu celular sobre o tema.