Entenda a reportagem em quatro pontos
- A Prefeitura de Imbé iniciou o processo de revisão do plano diretor em julho deste ano. O documento prevê edificações de 15 e 12 pavimentos em áreas nobres da cidade.
- O primeiro plano diretor da cidade autorizava a construção de imóveis de no máximo oito pavimentos. A mais recente legislação abre espaço para os edifícios maiores.
- Uma parcela da população está mobilizada em campanha para sensibilizar a administração municipal a reverter o documento.
- Totalmente erguido próximo à ponte Giuseppe Garibaldi, o primeiro prédio de Imbé, com 15 andares, materializa o temor de moradores, de que a cidade cresça para o alto, a exemplo da vizinha Tramandaí.
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Um prédio de 15 andares entranhado às margens do Rio Tramandaí se tornou a materialização de um temor de moradores e veranistas da praia de Imbé: o de que o município do Litoral Norte cresça para o alto, a exemplo da vizinha Tramandaí. A inquietação ganhou força assim que a prefeitura iniciou o processo de revisão do plano diretor em julho deste ano. O plano prevê edificações de 15 e 12 pavimentos em áreas nobres da praia, como o trecho entre a ponte Giuseppe Garibaldi e a barra. Desde então, uma parcela da população tem se mobilizado em uma campanha para sensibilizar a administração pública e tentar reverter o documento.
Criado em 2006 (e assinado em 2007), o primeiro plano diretor de Imbé previa a construção de prédios de, no máximo, oito pavimentos, conforme artigo 36 da Lei 1072/2007. De acordo com o texto, trechos da Avenida Paraguassú e da Avenida Rio Grande (hoje, rebatizada de Avenida Nilza Costa Godoy) poderiam receber construções de oito andares. Na Avenida Porto Alegre, na região central, estariam permitidas estruturas de até dois pavimentos.
Revisado pela primeira vez em 2012 (com aprovação em 2013), o novo plano diretor trouxe alterações no texto. Conforme o artigo 68, os prédios poderiam somar 15 pavimentos e não oito, em diversos pontos da Paraguassú, bem como na Avenida Nilza Costa Godoy (antiga Rio Grande), localizada às margens do rio. Também houve acréscimo de andares na Avenida Porto Alegre, que agora pode somar 12 pavimentos. O assunto acirrou os ânimos quando foi colocado em revisão neste ano.
Há 11 anos no município, a funcionária pública Cacinele Rocha se viu embretada pelo projeto. Caso seja aprovado como está e se as construções realmente se concretizarem, a moradora ficará cercada por edifícios de 12 andares de um lado e de 15 do outro.
— Levei aproximadamente sete anos para comprar minha casa em função das várias problemáticas que a cidade já tem, como alagamentos, vento, vizinhança e segurança. Moro aqui nesta residência há quatro anos e esse plano vai me afetar muito, pois minha casa fica na Rua Montenegro, na fronteira das avenidas Porto Alegre e Nilza Godoy, que terão as cotas de prédios mais altos — reclama.
Meio ambiente
Além de criar uma área de sombra nas casas do entorno dos possíveis edifícios, a maior preocupação dos moradores, que fizeram uma página no Facebook chamada Imbé Sem Prédios, que era seguida nesta segunda-feira (2) por mais de 650 pessoas, é porque acreditam que não há estudos técnicos que garantam a sustentabilidade do projeto. Eles cobram da prefeitura uma série de informações, como, por exemplo, plano diretor urbano integrado, plano de mobilidade urbana e plano de recursos hídricos.
Doutor em geografia humana e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no Campus Litoral Norte, o também morador de Imbé André Baldraia destaca que o município se situa em uma área ambiental peculiar, composta por dunas em um lado e estuário do outro. Por esse motivo, antes da aprovação do plano diretor com direito a espigões, na sua opinião, o município deveria se preocupar em fazer estudos que avaliem os impactos das edificações sob diversos aspectos.
— Por ser um ambiente frágil, deveríamos passar por um processo de revisão com amparo técnico e com mais tempo. Revisar o plano diretor é essencial para saber as diretrizes de crescimento: fazer diagnósticos da situação atual e criar cenários futuros. Não sou contra prédios. Verticalizar e adensar é importante, mas em lugares com essa demanda. Imbé não tem essa demanda. Do modo que está proposto, é como se criássemos um problema para depois propor a solução — justificou.
Para ilustrar a preocupação com a questão da mobilidade e organização do tráfego, Baldraia usa como exemplo a estrutura já erguida: a Rua Santa Cruz do Sul, lateral ao prédio, tem calçamento de paralelepípedo e não teve sua largura alterada. Se cada um dos 44 apartamentos tiver duas vagas de garagem, o fluxo nessa via, que desemboca na problemática Nilza Costa Godoy, que costuma ficar trancada aos finais de semana em função da travessia de veículos pela ponte, será superior a 80 carros, calcula por cima.
Outras providências previstas pelo novo projeto é a redefinição dos bairros, zoneamento urbano e rural (com a possibilidade de ampliação da zona rural como de expansão urbana) e proposição de novos regramentos para coletores de lixo e materiais de passeio públicos.
Moradores protestam
Natural de São Paulo, Viviane Tagashira elegeu Imbé como lar há sete anos, após retornar de uma temporada em Nova York. A troca das metrópoles para o município de pouco mais de 20 mil habitantes foi impulsionada por uma série de problemas respiratórios enfrentados pelo filho, Arthur, à época com seis anos. Como os sogros de Viviane moravam no Litoral Norte, o marido gaúcho comprou uma casa, que hoje é a residência do trio. Depois de passar por um processo de adaptação ao novo endereço, a publicitária e professora de ioga se apaixonou pelo local e, hoje, luta com o apoio de outros moradores para impedir que a revisão do plano vá adiante.
— Quando me mudei, tinha conceitos e preconceitos sobre qualidade de vida. Ia muito a Porto Alegre para ir ao cinema, museu etc. Mas ficando aqui, comecei a apreciar os botos e a me abrir para uma nova perspectiva de qualidade de vida. A gente viaja muito, mas para morar descobri um paraíso — explica.
Foi na casa dela que um grupo se reuniu na última terça-feira (26) para mais um debate sobre a revisão do plano diretor. Os mais de 20 moradores batem insistentemente na tecla de que não é possível aprovar um plano dessa dimensão sem a realização de estudos prévios.
Membro da Comissão de Revisão do Plano Diretor como representante do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar-UFRGS), o professor Ignacio Moreno é enfático ao afirmar que, em nenhum momento, a administração pública apresentou estudos que comprovem os benefícios dos edifícios ao município.
— Não tem estudo que diga quantos empregos vai gerar e quanto de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) vai render. Eles simplesmente fizeram ao bel-prazer deles. O que temos que mostrar é isso: é um absurdo o que eles estão prevendo. É uma aberração ambiental e social — defende.
Fora essas questões, argumenta o grupo, a comunicação com a prefeitura é deficitária. Os moradores alegam que as audiências públicas realizadas para debater o tema não têm a devida divulgação. O grupo já protocolou pedidos junto ao Município para obter respostas às questões levantadas.
Prédio novo promete vista eterna
Totalmente erguido próximo à ponte Giuseppe Garibaldi, o primeiro prédio de Imbé é comercializado com atributos que incluem termos como "primeiro prédio vertical em Imbé" e "vista eterna para rio e lagoa". Com 15 andares, o edifício terá 11 pavimentos exclusivos de apartamentos (quatro por andar) e outros de garagem.
A reportagem percorreu a rua lateral à construção, a Santa Cruz do Sul, e percebeu algumas casas à venda na região. Um dos proprietários que colocou a residência à venda foi Francisco Barbosa. Ele alega que a família não usa mais o local e, por esse motivo, optou por se desfazer dele.
— Não tem relação com o prédio — garantiu.
Em uma casa um pouco mais adiante, a aposentada Salete Marques disse não se incomodar, no momento, com o espigão. Ouviu comentários de que a rua receberia melhorias para dar conta de receber os usuários do edifício:
— Não sei se vai ser bom ou ruim. Agora, não tenho nada contra.
O que diz a prefeitura
O prefeito de Imbé, Pierre Emerim, rebate os argumentos feitos pelos grupos de moradores. Ele afirma que o plano diretor e sua primeira revisão são herança do governo anterior, que já previam tais edificações.
— Essa modalidade construtiva foi exaustivamente discutida e aprovada pela população naquela época. De lá para cá (de 2006 até agora), a cidade vem se desenhando com a possibilidade da construção vertical. O município, junto com a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento), criou uma série de investimentos para dar sustentação a essa decisão. Se a opção em 2006 fosse manter só residências, talvez nem fosse necessário criar a rede de tratamento de esgoto, que é a condição para se ter prédios altos.
Conforme a prefeitura, o maior investimento foi feito pelo município na estação de tratamento de esgoto, com aquisição de verbas federais e recursos próprios, somando aproximadamente R$ 50 milhões. Sobre a questão viária, a administração pública afirma que "os trechos onde foram previstos prédios em altura têm seus logradouros com largura suficiente para duplicação das vias transitáveis, como já existe na Avenida Paraguassú. Por exemplo, a Avenida Nilza Costa Godoy, antiga Avenida Rio Grande, possui largura suficiente para perfeita duplicação de trânsito, quando se fizer necessário" (SIC).
Ainda de acordo com Emerim, seu papel nesse debate é apenas o de mediar as discussões e flexibilizar o processo a fim de atender as necessidades de todos os interessados.
— Os debates que estão ocorrendo, e que vão ocorrer vários outros, não é para autorizar a construção de prédios. Se tu me perguntares hoje sobre minha opinião pessoal, provavelmente pode ser muito diferente do que é a lei hoje. Mas estou aqui como prefeito para tentar não ser nem 800 nem oito, mas para tentar adequar. Por mais que minha opinião pessoal não concorde, eu não posso trazer insegurança jurídica de sustentabilidade e renda. Me parece que não há possibilidade de exterminar essa ideia de verticalização porque foi uma ideia do plano anterior.
Um dos argumentos em defesa das construções são os incrementos financeiros que eles podem trazer. GaúchaZH pediu à prefeitura uma estimativa de renda tanto com a construção civil quanto com o IPTU desses prédios. Conforme resposta enviada via assessoria de imprensa, "num cálculo simples, se considerarmos que um terreno nas zonas onde será permitido prédios em altura, poderia ter duas ou três residências e passarão com os prédios a compor entre 40 e 50 apartamentos, isso é um incremento aproximado de 1.600% por terreno... E isso sem falar que o valor do próprio IPTU que também aumentará, considerando a valorização de mercado de um prédio em relação à uma única residência" (SIC).
Quanto ao incremento de demais áreas, os prédios podem aumentar "o quantitativo de empregos e renda diretos, mas não necessariamente na população de Imbé. Sabemos que muitas construtoras já têm suas equipes montadas e a contratação local, em alguns casos, é mínima. A realidade é que a construção de prédios ou condomínios fechados incrementa o Município indiretamente ao gerar empregos e renda nos comércios locais, tanto de materiais de construção, quanto de habitação, alimentação, vestuário" (SIC).
Quanto ao questionamento sobre estudos de impacto ambiental do plano, Emerim afirmou que eles existem. Em resposta à reportagem, a administração diz que eles foram feitos em 2006, com base no Plano Ambiental Municipal, elaborado por pesquisadores da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) do Campus Torres em 2005.
Já quanto ao plano de mobilidade urbana, a prefeitura afirma que ele está na mira. Está programado para ser elaborado tão logo o plano diretor seja revisado, com previsão de início de elaboração em fevereiro de 2020.
Sobre a necessidade de prédios enquanto o município tem diversas casas para vender, o prefeito diz que esse fenômeno migratório para outras praias tem sido observado há alguns anos. Ele relembra os áureos tempos em que Imbé era ponto de encontro de grandes empresários nos idos anos 1990. Com o passar do tempo, esse público foi se afastando do município atrás de outras estruturas, como os condomínios em Atlântida e Xangri-Lá. Um dos objetivos com a construção de prédios com infraestrutura completa é trazer essas pessoas de volta a Imbé.
— Foi diminuindo o nível que nós estamos tentando recuperar nesse momento. E como recuperar essas pessoas? Geralmente, essas pessoas têm amor pela cidade. Aqui tem a barra, os botos, um cordão de lagoas. Imbé é diferenciado.
O plano diretor
De acordo com a presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Seccional - Rio Grande do Sul (OAB/RS), Marília Longo do Nascimento, com a criação da lei denominada Estatuto da Cidade (10.257/2001) foram criadas regras para alterar o plano diretor de um município. Uma delas, destaca, é a participação popular.
— Tanto para um plano diretor ser construído quanto para ser revisado há requisitos, como audiências e debates. As audiências precisam dar publicidade a todos os documentos para garantir que qualquer pessoa interessada tenha acesso a eles — fala Marília.
Para que tenham validade, essas discussões precisam garantir a efetiva participação da população e de grupos de interesse, acrescenta a advogada.