A cada 24 horas, cerca de três pessoas morrem no Rio Grande do Sul por questões de saúde (transtornos físicos ou mentais) relacionadas ao consumo abusivo de álcool.
A estimativa parte de dado do Ministério da Saúde, que contabilizou 1.133 mortes desse tipo em 2023. O número é preliminar, ou seja, ainda está sujeito a mudanças por conta de novas atualizações, mas está em linha com a média anual observada de 2020 a 2022, por exemplo. Em 2024, foram 662 mortes até setembro.
São contabilizados nesses dados três causas principais de morte: doença alcoólica do fígado, como cirrose ou insuficiência hepática; autointoxicação voluntária por álcool; e transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool. Por se tratar somente de problemas de saúde, o recorte não engloba mortes causadas por acidentes de trânsito envolvendo álcool.
O chefe do Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Félix Kessler, avalia que é comum que pacientes com problemas físicos ligados ao consumo abusivo de álcool sejam reinternados várias vezes, dado que a raiz do problema nem sempre é tratada: o alcoolismo.
Para o médico, o tratamento de alcoolistas requer que o próprio paciente ou a família constate que o consumo do álcool está sendo prejudicial, e que os profissionais da saúde façam a abordagem adequada e o encaminhamento correto.
— Talvez o maior desafio ligado ao consumo de álcool seja a questão motivacional. Quase todas as doenças associadas a um comportamento são muito difíceis de tratar porque os hábitos são difíceis de quebrar — diz Kessler.
Homens morrem mais, mas consumo entre mulheres aumenta
A cada 10 mortes por problemas de saúde relacionados ao álcool no Brasil, aproximadamente nove são de homens e uma de mulher. O dado também é do Ministério da Saúde, em relação a 2022, último ano com números consolidados.
Embora historicamente mais prevalente entre homens, especialistas observam um aumento no consumo abusivo de álcool entre mulheres. Na análise de André Liedtke, diretor do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) Céu Aberto, no Centro Histórico de Porto Alegre, a diferença no número de óbitos se dá porque as mulheres costumam buscar tratamento mais do que os homens.
— O que as mulheres ainda têm de diferente dos homens é que, como elas têm comportamentos menos agressivos na média, acabam não chegando às situações de vulnerabilidade, como situação de rua — avalia.
Quando o consumo passa do limite
Kessler, do HCPA, explica que alguns dos fatores para identificação do consumo abusivo de álcool são o sofrimento ou prejuízo para si ou familiares, o consumo além do programado para o momento, a falta no trabalho por conta de cansaço, comportamento violento quando bêbado, e sintomas de abstinência e muita vontade de beber.
Esses indicadores são alguns dos requisitos para o diagnóstico do que é chamado na medicina de Transtornos Mentais Relacionados ao Uso de Álcool, conforme classificação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, na sigla em inglês).
Liedtke, do CAPS AD Céu Aberto, pontua ainda que os fatores de abuso podem variar muito de pessoa para pessoa. Por isso, recomenda uma avaliação com enfoque, também, em como o álcool está prejudicando a vida de cada um.
— O que na vida poderia estar melhor sem o álcool? O que a pessoa está perdendo com algum consumo de maneira exagerada? — questiona.
Critérios de diagnóstico
Definição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) para Transtornos Mentais Relacionados ao Uso de Álcool
- Consumo em quantidades maiores ou por mais tempo do que o planejado
- Desejo persistente ou esforços malsucedidos para reduzir ou controlar o uso de álcool
- Tempo significativo gasto obtendo, usando ou se recuperando dos efeitos do álcool
- Forte desejo ou compulsão de usar álcool (craving)
- Uso recorrente resultando em falhas no cumprimento de obrigações importantes (trabalho, escola, casa)
- Uso continuado apesar de problemas sociais ou interpessoais recorrentes causados ou exacerbados pelo álcool
- Abandono ou redução de atividades sociais, ocupacionais ou recreativas devido ao uso de álcool
- Uso em situações fisicamente perigosas (como dirigir)
- Uso continuado apesar de saber que causa ou agrava problemas físicos ou psicológicos
- Tolerância, definida por: necessidade de quantidades maiores para obter o mesmo efeito; diminuição do efeito com o uso contínuo da mesma quantidade
- Abstinência, manifestada por: sintomas específicos (como tremores, insônia, náuseas, ansiedade); uso de álcool (ou substâncias similares) para aliviar ou evitar sintomas de abstinência
Onde buscar ajuda
Muitos locais oferecem auxílio e atendimento. Uma das alternativas são os grupos de apoio do Alcoólicos Anônimos, com reuniões em 150 cidades do RS e também online. Nos encontros, pessoas em recuperação trocam experiências, desabafos e desafios para buscar a sobriedade. Os horários das reuniões podem ser encontrados no site.
Ainda, para tratamento clínico, os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) oferecem atendimento especializado e gratuito para dependentes químicos e podem ser encontrados em diversas cidades do Estado.
Unidades Básicas de Saúde, ambulatórios de saúde mental, demais CAPS e hospitais gerais também estão capacitados para o cuidado.
* Produção: Fernanda Axelrud