De janeiro a novembro de 2024, o Detran-RS registrou no Estado 20.550 multas por recusa ao teste do bafômetro, o que equivale a uma média de 1,8 mil por mês. Em todo 2023, foram contabilizadas 24.805 infrações do tipo.
Os dados do Detran unem informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM), que fiscalizam as estradas, das prefeituras e da Brigada Militar, que cuida de vias urbanas em alguns municípios.
Desde 2022, as multas por recusa têm sido superiores a 20 mil a cada ano, algo que preocupa a diretora institucional do Detran-RS, Diza Gonzaga.
— É muito significativo. Queremos tolerância zero. Não é possível que as pessoas não se conscientizem de que álcool e direção é uma dupla de morte. Quando você bebe, você não perde só a timidez. Perde reflexo e percepção de distância, que são fundamentais na condução de um veículo — enfatiza.
Quem é flagrado com sinais aparentes de embriaguez ou tem a condição comprovada pela testagem é enquadrado no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, que proíbe dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
O artigo 165-A é o que enquadra quem se recusa a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar a influência de álcool ou outra substância psicoativa.
Somando as infrações por embriaguez com as de recusa ao bafômetro, o total de janeiro a novembro de 2024 ultrapassou 26 mil.
Os totais de multas por embriaguez e recusa ao teste em 2020 e 2021 — anos de pandemia, quando havia menos pessoas circulando — foram, respectivamente, 16.171 e 18.352. Terminada a crise sanitária, o número cresceu. De 2022 para 2023, por exemplo, houve uma elevação de 15%, subindo de 27.964 para 32.142 infrações.
O que se pode aprender com outros países
Para o especialista em dependência química e professor titular da UFRGS Flavio Pechansky, o exemplo de outros países mostra que a conscientização da população, aliada a uma fiscalização forte, pode ser um caminho eficaz para conter o consumo de álcool entre motoristas.
Primeiro brasileiro a presidir o Conselho Internacional de Álcool, Drogas e Segurança no Trânsito (ICADTS, na siga em inglês), o psiquiatra cita os casos de Canadá, Austrália, Estados Unidos e países europeus, em especial os escandinavos, onde a cultura de beber é bastante presente, mas os índices de acidentes por embriaguez são baixos.
— Os países nórdicos, por exemplo, têm altíssimo consumo de bebida alcoólica, mas há uma total separação entre o beber e o dirigir. Por quê? Primeiro, porque tudo nessa área está sendo feito há muito tempo. A Suécia tem leis sobre beber e dirigir há mais de 70 anos, 80 anos. No Brasil, a chamada Lei Seca é de 2008 — compara.
O pesquisador complementa que, nesses países que servem de exemplo, a sensação de que o condutor está sendo observado é bastante forte, contribuindo para a eficácia no cumprimento da legislação:
— Na Escandinávia, ninguém pega o carro depois de beber. Por quê? Porque a polícia vai pegar. Eles vão a pé, de ônibus, de trem. É por isso que os números são baixíssimos.
Resultado positivo ou recusa ao teste são infrações gravíssimas
Desde 2023, o Rio Grande do Sul passou a utilizar um novo modelo de etilômetro nas abordagens da Balada Segura, fiscalização focada em saídas de bares no período noturno.
Chamado de bafômetro passivo, o equipamento faz uma triagem verificando a presença de álcool no ambiente. Quando não há indícios, o motorista é liberado sem sair do carro. Se for identificado um pré-teste positivo, o condutor é convidado a fazer o exame no aparelho convencional.
Conforme o Detran-RS, de janeiro a novembro de 2024, foram 5.219 autuações por se negar a fazer o bafômetro na Operação Balada Segura. Isso equivale a 6% dos 86.472 veículos abordados na operação no período. Em 2023, a recusa foi de 5,7% e, em 2022, de 6,9%.
Se comparadas a todas as 20.550 multas por recusa registradas de janeiro a novembro de 2024 por órgãos de trânsito do Rio Grande do Sul, os casos da operação corresponderam a 25% do total.
— As leis são severas, mas não tem como fiscalizar todas as pessoas — argumenta Diza Gonzaga. — Não acho que haja uma sensação de impunidade porque tem pouca fiscalização. A sensação de impunidade é porque tem pessoas que bebem costumeiramente em lugares que sabem que nunca vai ter blitz, pois a blitz precisa de uma certa logística. Então, há pessoas que conseguem se livrar e acham que "eu bebi e nunca deu nada".
Pela legislação, testar positivo no bafômetro ou se recusar a realizar o teste configura infração gravíssima, prevendo multa de R$ 2.934,70. O condutor ainda tem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) recolhida e fica com processo de suspensão do direito de dirigir por 12 meses.
Quem faz o teste e apresenta resultado igual ou superior a 0,34 mg/l (miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões) comete um crime de trânsito. Nesse caso, além de todas as penalidades administrativas, a pessoa ainda é conduzida à Delegacia de Delitos de Trânsito.
Durante a abordagem, o veículo fica retido até a apresentação de alguém em condições de conduzir. Se não houver, os agentes fazem a remoção para um depósito.
Apesar da rigidez da legislação, Pechansky, da UFRGS, critica os recursos legais que condutores flagrados podem buscar para tentar escapar das punições:
— Há um mundo jurídico disponível para quem tem condição de pagar. É todo um sistema que beneficia o infrator com essa percepção de que ou não vai dar nada ou vai virar cesta básica.
Procurado pela reportagem, o Detran-RS não comentou o tema.
A presidente da Associação Brasileira dos Advogados de Trânsito (Abatran), Rochane Ponzi, concorda que haja "um mundo jurídico disponível" para quem combina álcool e direção.
— Acontece que o desrespeito a preceitos constitucionais importantes para toda a coletividade acaba ocorrendo por conta da atuação dos órgãos de trânsito de todo o país, e isso gera nulidades no procedimento e, portanto, benefício àquele que não deveria estar dirigindo, deveria estar afastado das ruas e que, por detalhes jurídicos, acaba não sendo punido.
A solução, segundo ela, "passa por um necessário aperfeiçoamento e aparelhamento dos órgãos de trânsito":
— Isso é para que eles consigam cumprir a legislação, respeitar preceitos constitucionais, o direito de defesa do cidadão, agir dentro dos prazos legais e aí sim ter a devida efetividade de todo o sistema de trânsito.
Mudança de atitude é essencial para salvar vidas
Em 2023, 1.576 pessoas perderam a vida no Rio Grande do Sul em ocorrências de trânsito de todos os tipos. Destas, 907 eram condutores de veículos ou motos. Ainda que existam cenários em que não seja possível verificar a causa da morte ou a presença do álcool, a perícia realiza um processo chamado alcoolemia, que ajuda a ter uma dimensão dos casos de embriaguez.
Dos 907 condutores que morreram, 667 foram testados para identificar a presença de álcool. O resultado foi positivo em 260, ou seja, em 39% dos óbitos examinados.
O percentual é similar aos de 2020 e 2021 — anos de pandemia — e menor do que em 2022, quando chegou a 44%, preocupando autoridades.
— Esses números são mais expressivos ainda, pois tem muitos sinistros de que não se sabe — lamenta Diza Gonzaga.
A diretora institucional do Detran-RS e o professor Pechansky concordam em um aspecto que parece ser urgente e essencial para salvar vidas: uma mudança de atitude de quem está no trânsito. O pesquisador salienta:
— Se perguntarmos para um motorista se ele sabe que não pode beber e dirigir, ou se ele sabe que não pode ultrapassar a velocidade, ele vai dizer que sabe. Então, não adianta nada eu educar para o trânsito se não tenho uma percepção de uma malha de fiscalização eficaz. Se não, vou estar informado, mas isso não vai mudar o meu comportamento. E tem muito estudo mostrando que saber não é igual a mudar de comportamento.