A Síntese de Indicadores Sociais, apresentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (4), revelou que 14,4% (1,6 milhão) da população gaúcha vivia abaixo da linha da pobreza em 2023. Esse é o menor percentual registrado em 10 anos. O cenário tem relação direta com a transferência de recursos, por meio de benefícios sociais como o Bolsa Família, e a melhora do mercado de trabalho, avaliam especialistas.
Para o estudo, o IBGE considera as definições do Banco Mundial para as linhas de pobreza e extrema pobreza, que são de renda per capita menor do que US$ 6,85 e do que US$ 2,15, respectivamente. Na visão do coordenador do Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho da PUCRS (DataSocial), André Salata, a taxa adotada para a linha da pobreza é muito alta para o padrão brasileiro.
Ele explica que a renda per capita deste grupo fica acima do limite aceito para participar de programas como o Bolsa Família. Por esse motivo, a melhora no percentual dos gaúchos abaixo da linha da pobreza tem relação direta com o aquecimento do mercado de trabalho.
— Resumindo, você tem dois fatores (para a redução): os programas de transferência de renda, que são os melhores vistos nos últimos anos, e o segundo fator, que é a melhora do mercado de trabalho. O primeiro fator está mais relacionado à redução da extrema pobreza e o segundo fator à redução da taxa de pobreza — comenta.
No caso da extrema pobreza, a taxa de 1,3% (147.673) registrada em 2023 no RS, além de ser a menor da sua série histórica, também é a menor do ano entre todos os Estados brasileiros.
A análise do especialista da PUCRS é corroborada pelo coordenador do IBGE no Rio Grande do Sul, Walter Rodrigues:
— Se a economia vai bem, mercado de trabalho vai bem. Na extrema pobreza, os benefícios sociais têm um papel fundamental.
Mudanças econômicas e políticas
No período analisado de 10 anos, os indicadores de pobreza no Rio Grande do Sul foram afetados por diferentes ciclos econômicos e políticos. Entre 2012 e 2014, o país vivia um período de expansão econômica, com mercado de trabalho aquecido e programas sociais consolidados.
— Você tinha uma economia que estava aquecida e programas sociais que estavam azeitados, o mercado de trabalho também ajudando muito. Então, era tendência ali de redução das taxas de pobreza, de extrema pobreza, que vinha em ascensão — lembra Salata.
Entretanto, a recessão econômica de 2015 e 2016 interrompeu esse ciclo positivo, trazendo maior desemprego e queda na renda familiar. O impacto continuou sendo sentido nos anos seguintes, com 2018 registrando o maior índice de pobreza da década.
O coordenador do IBGE aponta que a crise econômica do período atingiu em cheio o mercado de trabalho, que levou anos para se recuperar.
— Em 2018, o aumento da informalidade e os baixos rendimentos contribuíram para o agravamento do cenário — analisa o coordenador do IBGE.
Impacto da pandemia de covid-19
Embora o auxílio emergencial tenha evitado um colapso social em 2020 durante a pandemia de covid-19, a interrupção parcial desses benefícios em 2021 resultou no pior ano da série histórica para os indicadores sociais.
— É uma relação direta. 2021, do ponto de vista dos indicadores sociais, foi o pior ano. Porque, em 2020, apesar do principal impacto da pandemia sobre a economia ter ocorrido em 2020, o auxílio emergencial foi muito volumoso e direcionado, principalmente, para a base da pirâmide — explica o especialista da PUCRS.
A partir de 2022, com a melhora econômica e o fortalecimento dos programas de transferência de renda, o Estado e o país começaram a sair da crise.
— Então, você entra num novo ciclo. Eu acho que 2023 dá continuidade a esse ciclo de recuperação da economia pós-pandemia. E também ao fortalecimento, junto a isso, dos programas de transferência de renda — avalia Salata.
Reflexo da enchente
O coordenador do IBGE projeta um cenário mais animador em relação aos impactos da enchente no Estado. Apesar de um baque inicial, o especialista sinaliza que os cenários não são tão negativos.
— Se você olhar os números da economia gaúcha, verá que houve um grande impacto, lá em maio e junho. Chegamos a ter uma queda, se não me engano, na indústria de dois dígitos, mas logo em seguida houve uma recuperação — diz Rodrigues.
Ele explica que houve a necessidade de movimentação da economia para a recuperação das perdas do Estado. Isso ajudou a anular, ao menos parcialmente, os prejuízos causados pelas enchentes, que refletem também na economia das famílias.
— O comércio, claro, sofreu, mas depois da enchente teve números positivos, porque foi necessário recompor móveis e eletrodomésticos que as famílias perderam, o que movimentou a economia — analisa.
Salata complementa a expectativa de um cenário mais positivo. Segundo ele, o prejuízo deve ser menor do que o esperado inicialmente. O cenário positivo movimenta, além do volume de recursos, toda a cadeia de econômica.
— A economia do Rio Grande do Sul tem mostrado sinais de recuperação em uma velocidade interessante. Então, acredito que podemos ver algo, mas não apostaria em algo muito fora da curva — finaliza.
*Colaborou Murilo Rodrigues