O desejo dos gaúchos em superar a maior tragédia natural da história do Estado tem sido representado por um símbolo tradicional: a bandeira do Rio Grande do Sul. Hasteada em vários lugares do RS, ela se tornou também uma forma de expressar apoio ao povo gaúcho. Em alguns estabelecimentos, o estoque do produto acabou:
— Está em falta, eu não tenho mais bandeira desde a semana passada — diz Arnaldo César Souza, proprietário das lojas Casa do Peão, de artigos gauchescos, no Centro de Porto Alegre. — Todo mundo quer colocar a bandeira do Rio Grande do Sul em frente ao seu comércio ou na porta de casa. O gaúcho se identifica muito com a bandeira e com o hino.
Arnaldo conta, ainda, que houve bastante demanda de pessoas de outros Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso, que vieram ajudar e quiseram levar uma bandeira como lembrança, com dedicatórias. A reposição do estoque está difícil por conta do efeito da enchente nas próprias fábricas. Além das bandeiras, as lojas de artigos gaúchos também têm feito a reposição de outros objetos tradicionais para quem foi afetado pela enchente.
— Vendemos também algumas pilchas para o pessoal que perdeu a sua indumentária. Vinham voluntários aqui comprar para poder doar — conta Greice Marion Ludwig, sócia-proprietária da loja Artegas, em Novo Hamburgo.
Para Henrique da Costa, pesquisador de assuntos relacionados à cultura gaúcha, a enchente de 2024 pode ser encarada como uma das muitas lutas do povo gaúcho.
— Talvez essa também possa ser uma ímpia e injusta guerra, na qual mostramos sim, valor e constância, especialmente na questão da solidariedade, que a gente viu foi algo inacreditável dentro de toda essa tragédia — Costa afirma, citando trecho do hino gaúcho.
Segundo o pesquisador, ostentar os símbolos da cultura gaúcha pode estar ligado à busca de força no momento difícil:
— Talvez nos dê um pouquinho mais de força para a gente lutar realmente contra esse momento difícil que estamos vivendo.
Costa explica que o “gaúcho”, como gentílico, só viria na virada do século 19 para o 20. Antigamente, quem nascia no Estado era chamado de riograndense ou sul-riograndense. Apesar de não haver provas documentais de como ocorreu essa transição, o pesquisador considera que a adoção do gentílico diferencia o RS de outros Estados por conta da identificação do gaúcho como figura histórica com suas próprias lutas, guerras e cultura.
— Nós, como povo, adotamos esse gentílico que realça, então, esse sentimento de ser gaúcho. Ele vai tornar todos aqueles nascidos no Estado, que a gente pode dizer como sendo “gaúcho por direito”, quase como um direito de nascimento — diz Henrique.
“Nosso Estado precisa de um carinho”
Quem chega em Sinimbu, no Vale do Rio Pardo, vê a casa de Fernando Hennig, empresário aposentado e proprietário de um café na cidade. Hasteada na varanda, está a bandeira do Rio Grande do Sul, junto a uma faixa que diz “Força Sinimbu, vamos juntos sair dessa”.
— Já que a minha casa fica bem na entrada de Sinimbu, pensei "vamos fazer algo para levantar o astral, alguma coisa de otimismo, de união”. Então, colocamos a bandeira do Rio Grande do Sul, porque o nosso estado está precisando de um carinho — relata Hennig.
Em Arroio do Meio, no Vale do Taquari, o dono da Casa do Peixe, Darcísio Schneider — conhecido como Picolé na cidade — viu a fachada do seu estabelecimento, com a bandeira gaúcha à frente, viralizar nas redes pelo simbolismo da resistência.
— Esse é um símbolo de força, porque a gente é muito gaúcho aqui. Foram três enchentes violentas que bateram no meu estabelecimento, na minha casa. A ideia que eu tive aqui foi de botar uma frase embaixo, que diz: “aqui o Rio Grande renasce”. Mas, na verdade, eu queria dizer aqui a gente renasceu três vezes já.
“Parece que aquela bandeira está tremulando em câmera lenta”
Na zona central de Porto Alegre, o Shopping Total hasteou a bandeira do Estado a 92 metros de altura, na sua chaminé. Para Silvia Rachevsky, gerente comercial do Total, a ação simboliza uma forma de agradecimento e de continuar estimulando as pessoas a seguirem em frente, fazendo menção à hashtag #JuntosPeloRS. Segundo Silvia, a escolha da chaminé também foi simbólica:
— Vamos usar a chaminé também de uma forma emblemática, fazendo isso: um carinho, um abraço, um envolvimento com o Estado.
Em Passo Fundo, em sua estrutura administrativa e logística, a Rede de Farmácias São João hasteou a bandeira símbolo do Estado. Em Gravataí, na Região Metropolitana, o gesto foi repetido: uma enorme bandeira está hasteada à beira da BR-290, numa "demonstração de respeito e carinho da Rede São João ao povo gaúcho", destaca a empresa.
Além disso, realizou mobilização com 34 caminhões de doações, chamada de "comboio da ação solidária", que levou donativos aos atingidos pela enchente em municípios da Região Metropolitana. A ação solidária organizada pela Rede de Farmácias São João angariou doações de inúmeros parceiros, indústrias, Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) e pessoas físicas.
No Estádio Beira-Rio, a bandeira só pôde ser hasteada depois que a água da inundação baixou, ação idealizada pelo Conselho de Gestão do Clube como forma de homenagem às vítimas da enchente.
Quando Henrique da Costa passou em frente ao estádio, ficou comovido pela cena:
— A gente passa e parece que aquela bandeira está tremulando em câmera lenta. Então, a gente de fato fica consternado com a situação, sabe o porquê dela estar ali, mas ao mesmo tempo a gente entende a gravidade do momento e também, de certa forma, é um clamado para cada um fazer a sua parte — o pesquisador relata.
Produção: Fernanda Axelrud