A roceira Janete dos Santos da Rosa, 40 anos, empurrava a bicicleta apinhada de mantimentos em meio ao lamaçal deixado pelo Rio Pardinho, na Linha Inverno, em Sinimbu, no Vale do Rio Pardo. Era em torno das 11h30min desta terça-feira (28), chovia e fazia 10 graus. Os filhos Gabriel, 14, e Jardel, nove, ajudavam a mãe.
O primeiro estava de chinelos de dedos. À direita dos três, era possível ver as águas barrentas do rio, enquanto do outro lado se estendiam imensos vazios onde há poucas semanas cresciam vistosas plantações de milho. Esta família representa com fidelidade o retrato do município desde a histórica e impiedosa enchente que completa um mês nesta quarta-feira (29). Tudo se desfez, da rotina aos sonhos.
— Perdi tudo em casa. Mas estamos todos vivos, mas não é fácil — comenta ela, que foi em busca de alimentos e de um fogãozinho a gás.
Enquanto Janete caminhava, grossas camadas de barro subiam e se impregnavam em seus tênis. O vento frio batia no rosto com força. Não havia brilho nos olhos, apenas tristeza. Para ir até o local dos donativos, ela precisou passar por onde as águas deixaram marcas difíceis de serem apagadas. Para cruzar a ponte Centenário, que perdeu partes da estrutura, a família teve de subir por um puxadinho de madeira. Tudo de improviso. E para piorar, não conseguiu o fogãozinho para fazer comida.
— Não é fácil — repete ela outras duas ou três vezes.
Com pouco mais de 8 mil habitantes, Sinimbu foi engolida pelo Rio Pardinho. Na entrada do município, na Avenida General Flores da Cunha, uma cama de madeira está pendurada em uma árvore. O Arroio São João passa ali. Perto das margens, um caixão aberto sem defunto chama a atenção. Teria vindo do cemitério ou de alguma funerária invadida pelas águas? Não se sabe.
Duas faixas, uma de incentivo e outra de agradecimento a quem auxilia o município em momento tão sensível, podem ser vistas em casas da RSC 471, que fica nesta mesma entrada da cidade. Mais adiante, na parte de fora do salão da Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Sinimbu, há barracas, caminhões e blindados do Exército. Parte do poder executivo municipal se concentra em torno do espaço. A população chega de mãos vazias e com cara de fome.
O auxiliar de produção Ederson Waechter, 37 anos, vive em Rio Pequeno. A região foi duramente atingida pela inundação do rio. Para chegar até a ponte Centenário precisou fazer baldeações e até pegar Uber. Com a filha Evelyn, quatro anos, na garupa, e na companhia de outros familiares, subiu o puxadinho de madeira e cruzou a travessia. No local, falta sinalização sobre os riscos, como placas, cones, fitas e avisos.
— Perdi tudo. Estamos vindo atrás de doações — conta ele, que recebeu férias, assim como os demais colegas de trabalho.
— Fomos esquecidos — reclamam os demais familiares.
Mais tarde, quando a reportagem de GZH esteve no salão paroquial, Ederson chegou com a família. Rapidamente trataram de saciar a fome com o que era oferecido. Assim são os dias em Sinimbu.
A secretária municipal da Saúde e Bem-Estar no município, Flávia Schaefer, tentava enviar um blindado militar para uma área isolada e ainda com muita água. Uma pessoa seria resgatada. Mas foi preciso um helicóptero ser acionado.
— Tivemos 15 pontes atingidas pela água do rio — diz a titular da pasta.
Neste momento, apenas uma família está no abrigo institucional. Outras 15 famílias estão abrigadas em outras cidades. Houve três óbitos em Sinimbu, mas apenas um deles envolve um morador do município. O comércio no centro já está com alguns estabelecimentos abertos. Mas apenas 30% das lojas funcionam. Nem todas as localidades têm luz e água.
O aposentado Fernando Hennig, 70, tem um café na entrada da cidade. Foi sua família que instalou as duas faixas citadas no começo desta matéria. A água quase não chegou no lugar em que ele vive, apenas uma fina lâmina entrou na cafeteria situada em um casarão histórico.
— Vimos com medo a água subindo. Foi uma angústia ter de ir de barco para a cidade — recorda.
Em outro ponto de Rio Pequeno, o roceiro Mainor Müller, 57, arriscava a vida cruzando outra ponte que cedeu, mas não desmoronou por completo. Rachaduras grossas podem ser vistas no meio da travessia. Morador há 14 anos dali, ele jamais viu o que agora parece ser o novo normal no seu dia a dia.
— Tem que passar. É perigoso — comenta, com os olhos arregalados de incredulidade.
Trabalhador de um frigorífico, Ledionir Feustler, 45, mora há cinco anos na localidade. Abrigou oito pessoas em casa e confessa ter se sentido mal após ver tanta gente chorando. Durante a cheia, ele ainda precisou levar a sogra para atendimento médico. Ela passou mal e começou a vomitar sangue, assustada com a velocidade e a fúria do rio.
— É uma sensação ruim. É uma vontade de ir embora — resume ele, mostrando o barzinho destruído onde costumava bebericar um trago e jogar sinuca com os amigos.
Em Sinimbu, os sonhos que não foram engolidos pelas águas do rio, foram carregados pela correnteza. A catástrofe ainda está nos olhos de cada morador.