Até o início desta semana Flávia Schaefer vivia a rotina de secretária municipal da Saúde e Bem Estar no município de Sinimbu, encarapitado entre morros no Vale do Rio Pardo. Mas, como na música, um rio cruzou pela sua vida. E ela, do dia para a noite de terça-feira, virou uma flagelada, como tantos que sempre ajudou a cuidar. A secretária teve a residência inundada até o teto, móveis arrastados e enlameados, roupas levadas pelas águas. Desde então dorme dentro de um carro, sem ter como voltar para casa.
A tempestade que despejou mais de 200 milímetros de chuva em menos de 24 horas na região, propiciou aos riachos uma força similar a de mares revoltos. O Rio Pardinho, que costuma deslizar plácido pelo vale onde está incrustada Sinimbu, virou um aluvião de lama, detritos, pedras e árvores arrancadas pela raiz. Saiu do leito e inundou a cidade, nas partes urbana e rural. Algo que, segundo os mais velhos, jamais tinha acontecido.
A reportagem de Zero Hora só conseguiu chegar na cidade a bordo de um caminhão tracionado do Exército, de carona. Tentou duas vezes antes, com caminhonete, mas o Rio Pardinho transbordante alagou diversos trechos da rodovia e corria na altura das portas do veículo. Atemorizante.
Chegar em Sinimbu é como ingressar numa zona de guerra, como descreve a prefeita, Sandra Backes. A ponte que une dois lados da cidade teve uma das cabeceiras arrancada e as duas metades da localidade ficaram incomunicáveis. De tal forma que muita gente tem usado cordas para escalar as barrancas e tentar fazer a travessia pela estrutura de concreto abalada pelas águas.
A fúria do Pardinho (que alguns locais até chamam de arroio) arrastou tudo pela frente. A principal avenida, que costeia o rio, foi arrasada pelo dilúvio de lama e pedras. Paredes de residências desmoronaram inteiras. Telhados foram jogados do outro lado das ruas. Carros foram arrastados, amassados, jogados contra árvores e despedaçados, como se tivessem virado brinquedo de algum gigante mal-humorado.
As residências foram as mais atingidas, mas os principais serviços também estão inoperantes. Sinimbu ficou sem postos de saúde na zona urbana, com hospital semiaberto (apenas pode prestar alguns cuidados emergenciais), sem agências bancárias, sem postos de combustíveis na área central, sem lotérica, sem os dois principais supermercados.
Falta luz e internet. Pessoas vagam pelas ruas, tentando chegar a algum lugar que muitas vezes sequer sabem qual é – querem ajuda, imploram por providências das autoridades. Quando chegam em casa, invariavelmente choram. Uma, duas vezes, até cansar. As residências estão viradas num lamaçal malcheiroso. Baratas proliferam nos alagadiços. Fios arrebentados estão caídos em meio à água, oferecendo risco aos transeuntes.
— Tivemos de atender muita gente ferida por cortes, porque o rio quebrou vidraças e janelas — relata a secretária Flávia.
Comida até que chega na cidade. Donativos são levados por bombeiros, pelas Forças Armadas e por caminhões de empresas. Todos depositados num salão da igreja evangélica do núcleo urbano. Ali também ficam os desabrigados, dormindo em colchões pelo chão.
Mesmo com ajuda externa, o abalo psicológico dos moradores de Sinimbu é enorme. Os moradores se orgulhavam de suas ruas limpas e residências em estilo germânico, onde se conversa em alemão pelas esquinas. Agora, o que vigora no momento é um silêncio triste.
— Nunca imaginamos que esse desastre ia nos tirar tudo. Investimos em duas lojas, uma de vestuário e outra de material de construção. Foi tudo arrasado pela lama. O trabalho de 20 anos foi por água abaixo, literalmente — descreve a comerciante Adriane Wagner, com voz embargada.
A filha de Adriane, Talita, também é lojista e vice-presidente da Câmara de Comércio de Sinimbu. Está arrasada e chora ao comentar o cenário.
— Nem sei que comércio vamos agregar. Tá tudo devastado. Precisamos de muita ajuda das autoridades para recomeçar — apela, entre lágrimas.