Dezesseis dias após chegar de lancha à Estátua do Laçador, então circundado pela água barrenta da enchente, a reportagem de GZH repetiu a visita para ver a situação no entorno da escultura de Antonio Caringi (1905-1981). Nesta segunda-feira (3), alguns aspectos chamavam a atenção em frente ao símbolo de Porto Alegre - o cheiro de peixe podre, o lodo, a sujeira deixada pela cheia e o retorno do barulho do tráfego de veículos após a retomada da movimentação na BR-116.
Situada na Avenida dos Estados e próxima ao antigo terminal do Aeroporto Salgado Filho, a estátua em bronze de 4m40cm de altura e 3,8 toneladas chegou a ficar ilhada durante o mês de maio. A água não atingiu a imagem, mas cobriu parte do gramado da Coxilha do Laçador. No dia 18 de maio, data da visita anterior, o silêncio era a marca registrada do local. Nenhum carro passava pelas vias da região, assim como nenhuma pessoa se deslocava a pé.
Chegar ao Laçador de veículo ou até caminhando já é possível agora. Na parte de trás da obra de arte e no lado direito dela, no sentido em direção ao aeroporto, ainda há pontos com água acumulada, mas nada que represente impedimento para circular nas imediações e observar os estragos.
Entre os objetos remanescentes da baixa da água se destacam um colchão, a cabeça de uma boneca, latas de refrigerantes, garrafas de vidro e de plástico. Mas sobretudo o que ficou é uma camada de lodo.
O letreiro da parte da frente também foi afetado e ficou com marcas da enchente. Três bandeiras tremulam poucos metros adiante - a do Brasil, a de Porto Alegre e a do RS. Justamente esta última, quase caindo do mastro, se segura por um fio no alto.
Antonella Caringi de Aquino, 53 anos, acompanhou as notícias sobre a enchente de sua casa em Pelotas, na Zona Sul do Estado, onde vive. Neta mais velha e gestora da obra de Antonio Caringi, ela ressalta que no próximo ano seu avô completaria 120 anos se estivesse vivo. E garante não ter ficado preocupada com algum possível dano ao símbolo durante a inundação. Inaugurada em 1958, a estátua teve como modelo o tradicionalista João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes, já falecido.
— Fiquei com uma tristeza absurda do Centro Histórico, do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e da Praça da Alfândega. Quando vi o Laçador cercado pela água fiquei impactada com a natureza no entorno — compartilha Antonella sobre o que sentiu ao ver as imagens.
Em direção ao Aeroporto Salgado Filho, a água ainda alaga trechos da Avenida Severo Dullius, no bairro Anchieta. Porém, carros conseguem avançar e as placas de trânsito e paradas de ônibus já não estão mais submersas. Nas locadoras de carros, veículos atingidos pela cheia estampam a marca d'água em suas carrocerias.
O Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) informou que a faxina no entorno do Sítio do Laçador será realizada quando não houver mais pontos de alagamento. Até domingo (2), foram retiradas mais de 27,7 toneladas de resíduos das ruas da Capital, como restos de móveis estragados. Também houve raspagem de lodo acumulado e varrição.
Monumento será parte de iniciativa beneficente
Durante a enchente, a representatividade da escultura símbolo da Capital foi utilizada na arte para auxiliar às vítimas da inundação. O artista Eduardo Kobra criou uma tela chamada de Resiliência e arrecadou R$ 1,5 milhão em cinco dias. A obra retrata um punho tatuado com a Estátua do Laçador. Ele também vendeu uma série limitada de cópias. O valor foi convertido para a compra de mais de 15 mil cestas básicas, enviadas às unidades da Defesa Civil e à Assistência Social do Estado.
Por sua vez, o fotógrafo Christiano Cardoso usou uma foto do Laçador de seu banco de imagens para executar uma intervenção digital acrescentando a bandeira do RS na figura. Com tiragem única, o quadro feito será leiloado com lance mínimo de R$ 20 mil nesta quinta-feira (6). A arrecadação será dividida entre o Instituto Cultural Floresta e o Banco de Alimentos de Pelotas. Mais detalhes sobre o leilão podem ser consultados aqui. As duas iniciativas tiveram o consentimento de Antonella Caringi.