Da recepção aos espaços de uso comum, as violetas em flor dão indícios de que o cuidado e a atenção ali fazem morada. A decoração é um dos detalhes que fazem parte de um novo espaço de acolhimento a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade atingidas pela enchente. O local foi aberto em Porto Alegre na última quarta-feira (29). A Casa Violeta, como é chamada, já está abrigando 30 mulheres e 36 crianças, mas tem capacidade para receber até 190 pessoas. E o diferencial é o tempo de permanência: as estruturas foram montadas para a estadia por até um ano.
No local, estão mulheres de cidades da Região Metropolitana que já passaram por outros abrigos – fechados por também terem alagado ou pela desmobilização – e há a previsão de que mais famílias cheguem nos próximos dias, encaminhadas a partir do Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado (CRM). Fazem parte do público-alvo mulheres com filhas de até 18 anos e filhos de até 12 anos. A iniciativa é do governo do Estado, com a gestão da Me Too Brasil e do Instituto Survivor (ONGs de apoio a vítimas de violência sexual), além do apoio da Comunitas (organização especializada em parcerias entre os setores público e privado).
A coordenação da Casa Violeta trabalha para mapear cada um dos casos e as respectivas necessidades. Entre as acolhidas, há mulheres que ainda estão com as casas alagadas e não possuem previsão de retorno. Por isso, é necessário planejar o remanejo das crianças para escolas do entorno e até a reinserção das mães no mercado de trabalho, com a organização de capacitações.
Já em outras situações, como ocorreu no final de semana, duas mulheres conseguiram retornar para as residências. Porém, isso não significa que o trabalho da Casa Violeta foi encerrado. O objetivo é que a rede de assistência social e médica continue dando suporte às famílias afetadas e o espaço sirva como ponto de referência.
— Eu passei por quatro abrigos até chegar aqui: um ginásio que alagou, uma empresa, casa de amigos e, por fim, uma igreja, que precisou fechar o espaço. Até que me trouxeram para a Casa Violeta. Fui uma das primeiras pessoas a entrar. É um lugar muito bom, com respeito, segurança e estabilidade — conta Gisele*, uma das acolhidas, que está no espaço junto dos filhos.
Nesta segunda-feira (3), a água voltou a subir na casa de Gisele e está na altura da cintura. Assim, ela projeta ter que permanecer no novo abrigo por cerca de três meses. Até lá, os filhos devem voltar a estudar e ela pretende realizar as capacitações oferecidas. Também é possível sair do local durante o dia para trabalhar, procurar emprego ou resolver questões burocráticas.
— É um local que nos acolheu para nos reorganizarmos. Temos muita coisa para se encaixar ainda. Aqui, agora, é a nossa casa — acrescenta.
Rede de parceiros
Além dos 14 dormitórios, a Casa Violeta conta com diversos ambientes, como a brinquedoteca para as crianças, refeitório, sala de capacitação, consultório, farmácia, área de atendimento psicológico, canil, gatil, fraldário, sala de cinema e espaço para a lavagem de roupas. O novo espaço surgiu da necessidade da permanência estendida e atendimento dedicado às mulheres em situação de vulnerabilidade social. Já os casos de violência, com medidas protetivas, por exemplo, são direcionados para locais sigilosos.
— No começo, vários abrigos foram sendo criados, o que foi muito importante, porque as pessoas não tinham onde ficar. Mas, ao visitar muitos desses espaços, vimos novas necessidades. Havia denúncias de situações de violência e nem todas mulheres conseguiriam sair em um curto prazo, tendo perdido tudo. Estruturamos a Casa Violeta pensando em detalhes como a saúde das acolhidas e o respaldo em políticas públicas — descreve o médico pediatra e marido do governador Eduardo Leite, Thalis Bolzan, um dos idealizadores da ação.
A equipe técnica que atua no local foi contratada pelo Instituto Survivor, e o dia a dia se constrói a várias mãos. Há, por exemplo, voluntários fixos para áreas como a da brinquedoteca, a fim de que os abrigados possam criar vínculos e se sintam à vontade no local. Também foram firmadas parcerias com a prefeitura de Porto Alegre, para o acesso às redes municipais.
— Tivemos uma força-tarefa nos últimos 13 dias, que transformou o prédio. Foi uma casa organizada com muito afeto, colocando divisórias nos quartos, violetas espalhadas por diversas áreas, cuidando de detalhes como o de um brinquedo sonoro no fraldário, para distrair os bebês. E foram apenados que fizeram a limpeza da área, pintura e confecção de armários. Seguimos com muitas doações e parcerias que chegam a todo momento — conta a coordenadora do espaço, Juliana Napp.
Entre os parceiros estão, inclusive, as próprias acolhidas. É o caso da Márcia*, que tem experiência de 15 anos no ramo da gastronomia e resolveu contribuir com a cozinha da Casa Violeta. Para tornar a rotina de todos melhor, o creme fervido no fogão recebeu um toque de carinho e cuidado.
— Precisavam fechar as escalas de folgas dos profissionais que trabalham e resolvi ajudar. Como dizem, uma mão lava a outra. Encontramos anjos aqui e estamos retribuindo um pouco por terem nos recebido tão bem — relata, emocionada.
*Nomes alterados para proteger a identidade dos entrevistados.