Lenço, camisa, bombacha, bota, chapéu e cuia na mão. Essa é a imagem do gaúcho que tradicionalmente vem à cabeça de muitas pessoas, sobretudo de fora do Estado. O morador do Rio Grande do Sul, porém, não se restringe a esse retrato: possui também diversas outras facetas e camadas. Ainda que continue emoldurado pela tradição, o gaúcho muda, acompanhando o ritmo da vida contemporânea, abrindo-se ao novo e adaptando-se, em maior ou menor grau. Um gaúcho em movimento.
A percepção de parte dos brasileiros e dos próprios nativos é de um gaúcho conservador, batalhador, de caráter forte e dedicado à família. Agora, um estudo inédito encomendado pelo Grupo RBS e realizado em parceria com as empresas de pesquisa Coletivo Tsuru e Cúrcuma, intitulado Persona, busca trazer à tona elementos que estão por trás de uma imagem consolidada sobre o povo do Rio Grande do Sul – e o que se transformou.
O objetivo é entender os perfis, comportamentos e hábitos de consumo do gaúcho em meio às mudanças contemporâneas. A pesquisa revela o quanto os gaúchos são abertos ao mundo e a novas ideias, mesmo mantendo determinados rituais. Com base nos resultados, foi possível mapear três perfis de gaúchos e suas características: Guardião, Conciliador e Explorador. Os perfis de abertura se diferenciam em diversos aspectos comportamentais.
Um breve panorama das tradições
De acordo com o estudo, a maioria dos gaúchos continua bastante próxima às tradições. Para 92,8%, elas vão além do churrasco, do chimarrão e das vestimentas, incluindo um senso de pertencimento. Além disso, 86,5% creem que os costumes estão evoluindo com o passar do tempo, mas ainda mantêm suas raízes. Para 56%, o tradicionalismo não é importante, mas há compreensão de sua importância para o Estado. Já 6,8% dos entrevistados rejeitam todas as tradições.
A importância de manter os costumes do RS vivos é reconhecida por 92% dos gaúchos. A tradição mais importante é a gastronomia, citada por mais da metade dos entrevistados. Diversificada, engloba desde pratos típicos ligados ao nativismo até as influências dos imigrantes alemães, italianos e as especificidades das regiões. A música e a dança aparecem em segundo.
Em menor ou maior escala, a tradição, portanto, segue sempre presente – para todos, conforme evidenciou a pesquisa. As danças, os trajes, o churrasco, o chimarrão, as artes e os times do coração ainda são os principais símbolos da identidade do gaúcho. Eles podem ser mais ou menos reverenciados ou presentes na rotina, mas o fato é que o gaúcho preserva rituais.
Em função desse contexto, há um orgulho expresso pelos gaúchos de que são um "brasileiro diferente". Para o restante do Brasil, no entanto, são vistos como difíceis de acessar e de ultrapassar a "casca grossa". A pesquisa também apontou o chamado "lado B" dos gaúchos a partir da sua perspectiva, considerando limitações e características que podem ser melhoradas, como o bairrismo, a grosseria, o machismo e a dificuldade de lidar com o diferente, por exemplo.
Abertura gradual
O estudo mostrou que a moldura da tradição parece não dar mais conta de apresentar o gaúcho no seu todo, pois pode aprisioná-lo e fechá-lo para o novo, ao passo que o mundo se conecta e se transforma – e o RS, é claro, não fica de fora, pois não está isolado. Ou seja, também se movimenta.
Os valores que movem o povo do Rio Grande do Sul são a família, o trabalho, o conhecimento, bem como o desejo de honrar suas raízes, segundo o Persona. Porém, a moldura da tradição não é necessária para ser gaúcho. Do mesmo modo, não é preciso ser “menos gaúcho” – deixar de tomar chimarrão ou gostar menos de churrasco, por exemplo – para reconhecer valores que precisam ser reconsiderados e para se abrir ao mundo, como mostrou a pesquisa.
— O que a gente vê é que independentemente do perfil aberto para o mundo, você pode ter e manter o chimarrão ou o que quer que seja, alguns folclores gaúchos, mas em relação aos valores e ao desenvolvimento das coisas que estão acontecendo no mundo, ter um gradiente diferente de abertura e comportamento — explica Mari Zampol, do Coletivo Tsuru, uma das empresas responsáveis por desenvolver o estudo.
Os gaúchos estão sedentos pelo novo, em seu devido tempo, de acordo com as coordenadoras da pesquisa. Neste sentido, uma das descobertas mais importantes é a conclusão de que eles se deixam abrir para as mudanças no mundo por meio dos laços de afeto – ou seja, das relações.
O RS, porém, ainda é um Estado resistente às mudanças de comportamento, na visão de Rodolfo da Costa, consultor de marketing, músico e especialista ouvido pela pesquisa. Além das relações, em sua opinião, o gaúcho também se abre pelo trabalho – as empresas estão se vendo obrigadas a mudar de cultura, pois, se isso não ocorrer, pode comprometer processos e a força de trabalho. É mais fácil o gaúcho aceitar o novo enquanto processos inovadores, opina.
— É ruim dizer isso, mas eu acho que o gaúcho aprende mais na dor do que pelo amor. Mas é assim em qualquer lugar do mundo. O que eu acho é que tem um tempo e porquês diferentes — ressalta.
Apesar de a abertura ter melhorado, no caso do tradicionalismo, Costa vê um excesso de regras no zelo para preservar. Por outro lado, para ele, os artistas são as pessoas mais abertas às mudanças.
— Se alguém diz “isso aqui é o jeito errado de ser gaúcho”, de onde é que saiu isso? — indaga.
Secretária-adjunta de Estado da Cultura, primeira mulher trans a ser homenageada pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e especialista consultada na pesquisa, Gabriella Meindrad destaca que vê uma abertura e acolhimento do povo gaúcho ao que é novo – e no tradicionalismo, por exemplo, valores como respeito, disciplina e olhar fraterno estão entre aqueles reforçados.
— É um povo muito diverso, cada região vai receber de uma forma, mas rapidamente, já estão abraçando, oferecendo um mate e acolhendo – afirma, inclusive em termos de diversidade.
Além disso, um fator atribuiu ainda mais intensidade a esses movimentos: a pandemia de covid-19. Após o auge da crise sanitária, os gaúchos mergulharam em sua essência e refletiram sobre relacionamentos, comportamentos, seu lugar no mundo e sua cultura, conforme o Persona. Nesse sentido, 74% dos gaúchos relatam ter feito mudanças em suas vidas nos últimos três anos – e os jovens afirmam terem sentido mais do que os mais velhos.
Medo da traição
Existe medo, por parte das empresas, de mostrar um retrato diferente do gaúcho e serem rechaçadas. Concomitantemente, o maior medo do povo do RS ao se abrir ao novo, de acordo com a pesquisa, é de trair seus valores – esse cenário resulta em uma tensão entre o desejo de viver outras experiências e o de não trair o gaúcho e suas marcas.
A pesquisa Persona serve, desta maneira, para mostrar que não se trata de ferir ou trair, mas de retratar pessoas em movimento, que continuam a ser gaúchas. É possível manter os valores que constroem a identidade – e que se renovam. O gaúcho não está fechado ao mundo: pelo contrário, está se reinventando. Trata-se de um momento oportuno para identificar e legitimar esse movimento, conforme Mari:
— Em termos de negócio e da própria autoestima, apresentar um gaúcho que está em movimento é muito importante para o marketing das empresas e para os gaúchos legitimarem que ser aberto não é negar suas tradições e seus valores.
Sobre o Persona
O estudo Persona foi realizado de maio a novembro de 2023, com mais de 5,5 mil gaúchos e um grupo controle em São Paulo. Foram utilizadas metodologias qualitativas e quantitativas, com questionários por telefone, abordagens presenciais na rua, entrevistas em profundidade, grupos de discussão online e questionários online. Além disso, o mercado publicitário e especialistas também foram consultados.
Foram feitas pesquisas em todas as sete mesoregiões do RS, com amostras representativas em cada uma delas.
Em sua frente de negócios (RBS negócios), o Grupo RBS disponibiliza dados da pesquisa Persona para clientes e parceiros interessados em entender em profundidade o consumidor gaúcho. Para saber mais clique aqui.