A desaceleração brusca no ritmo de crescimento da população do RS, que teve taxa média anual de crescimento de apenas 0,14% entre 2010 e 2022, segundo o IBGE, sinaliza uma transformação demográfica do Estado. O número de habitantes foi incrementado em em 186.577 pessoas, passando de 10.693.929 de residentes para 10.880.506. Porto Alegre, segundo o Censo, perdeu 76 mil habitantes em 12 anos, passando de 1.332.570 moradores para 1.409.351 pessoas.
Uma das causas é a configuração de novos formatos familiares, com a diminuição no número de pessoas que compõem os lares. No Rio Grande do Sul, são 2,54 moradores por domicílio, de acordo com os últimos dados do IBGE. A média nacional é de 2,79 moradores. No Amazonas, unidade da federação com maior média, são 3,64 moradores em cada residência, em média.
Entre os 319 maiores municípios do Brasil, que superam a marca de 100 mil habitantes, 39 apresentaram diminuição populacional entre os Censos de 2010 e 2022. Dentro dessa estatística, estão, inclusive, algumas capitais, "algo inédito dentro dos censos demográficos recentes", ressalta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Esses novos arranjos familiares se explicam pela queda da taxa de fecundidade, que é o número médio de filhos que as mulheres têm ao longo de sua vida. No Brasil, enquanto na década de 1960 a média era de seis filhos, hoje é de 1,6 filho por casal .
Segundo o IBGE, as famílias brasileiras encolheram de 2010 para 2022. André Salata, professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Pós-Graduação em Economia do Desenvolvimento da Escola de Humanidades da PUCRS, aponta alguns fatores que explicam essa redução familiar.
—Isso está conectado com o processo de transição demográfica que o Brasil está passando. A população está envelhecendo. E esse é o motivo principal de termos um número menor de moradores por domicílio, os casais estão tendo menos filhos— avalia o professor.
Ainda segundo o docente, vários são os motivos para as mulheres terem menos filhos. Um deles é a urbanização, já que a migração para as cidades afetou o tamanho das famílias.
— Outro ponto é a mudança do papel da mulher na sociedade, sua inserção no mercado de trabalho. Outras esferas da vida, para além da doméstica, acabaram ganhando importância no projeto de vida das mulheres—pondera o professor.
O professor acrescenta que outros pontos, como o desenvolvimento de métodos contraceptivos mais acessíveis, a maior capacidade de planejamento por parte das mulheres e a necessidade de as pessoas estudarem cada vez mais para alcançarem uma posição mais vantajosa no mercado de trabalho, também interferem no resultado apresentado pelo Censo 2022.
—Isso torna a educação dos filhos mais custosa, e prolonga esse período de tempo que as famílias ficam responsáveis por custear essa formação. Dessa forma, ter filhos se torna algo muito oneroso durante um período bastante extenso e isso acaba incentivando para que as famílias tenham menos filhos e, portanto, sejam menores—afirma.
Família menor
O casal de empresários Vanessa Fick, 36 anos, e Luciano Barth Lopes, 47, de Porto Alegre, ilustra bem a nova composição dos núcleos familiares. Juntos há 12 anos, são pais de Gabriel Fick Lopes, seis anos. Os desafios psicológicos, profissionais e econômicos da maternidade levaram Vanessa e o marido a tomarem a decisão de terem um único filho.
— Sou de uma geração que foi ensinada a ser independente, profissionalmente bem sucedida, mas quando chega ali pelos 29, 30 anos anos começa a ser cobrada sobre ter ou não filho. Até meus 27, eu não pensava em ter. Sou publicitária e achava que não cabia na minha vida, mas com a saída das agências de propaganda, na área de criação, comecei a ter mais tempo pra mim e entender que seria possível ter um filho — conta ela.
A empresária diz que o marido sempre respeitou suas decisões e que nunca fez pressão para terem ou não filhos.
— Mas quando conversamos sobre o assunto e eu disse que me sentia pronta, ele amou a ideia. Assim começamos a planejar a vinda do nosso Gabi e foi a melhor decisão que tomamos, pois ele chegou me trazendo muita evolução — revela Vanessa.
Além de ter que conciliar o desejo de ser mãe com a carreira, outras questões influenciaram na decisão de não aumentar a família.
—O primeiro deles é que tive depressão pós-parto, então apesar de não desenvolver aversão à criança, como acontece com alguns casos, eu fiquei muito mal psicologicamente e só fui me dar conta de que era depressão depois de dois anos, faço tratamento até hoje, mas me considero curada— fala.
Vanessa relata que a chegada do filho possibilitou maior autoconhecimento, tanto para ela quanto para Lopes, que faz psicanálise há 10 anos.
—A terapia foi e é nossa grande aliada na educação do Gabriel. Além disso, como somos um casal que trabalha juntos e com entretenimento, entendemos que um filho está de bom tamanho para nossa rotina atual— pondera Vanessa.
O impacto dessa redução
Famílias menores impactam de diversas formas a sociedade e seu desenvolvimento. Estados e municípios precisam se preparar para a ocorrência da chamada transição demográfica, que significa um número maior de pessoas mais velhas do que de jovens. Essa inversão vai gerar consequências na economia e nos investimentos realizados na educação, bem como no entendimento sobre produtividade no trabalho.
O professor da PUCRS afirma que essa é uma questão para se preocupar, já que a redução da proporção vai gerar diversos impactos e demandas do poder público.
— Quem gera riqueza é a parcela mais jovem, e a população mais velha precisa desses recursos gerados pelos mais novos. Como temos uma proporção menor de pessoas em idade para trabalhar, em relação às mais velhas, o que precisamos é que o trabalho dessas pessoas renda mais, ou seja, temos que aumentar a produtividade do trabalho das pessoas mais jovens. E isso passa pelo aumento da escolaridade, investimentos na educação e em tecnologia — relaciona Salata.
Menos pessoas, mais domicílios
Enquanto o número de moradores por domicílio está diminuindo, a quantidade de moradias vem aumentando. Na Capital, o número de domicílios ocupados cresceu cerca de 10%, eram 508.813 em 2010, enquanto são 558.151 agora. A média é de 2,37 moradores por domicílio em Porto Alegre em 2022, contra 2,75 em 2010.
O aumento é explicado por uma mudança nas estruturas das famílias, que, menores, passaram a ocupar uma quantidade maior de lares, explica o demógrafo Márcio Minamiguchi, do IBGE.
Parece contraditório, mas não é. O que acontece é que o número de pessoas por família vem diminuindo, o que significa que as formações e os tipos de formação familiar vêm se modificando. Assim, temos cada vez mais, por exemplo, pessoas morando sozinhas (chamada de formação unipessoal), casais sem filhos ou com um único filho, em vez de formações mais extensas.
— Observamos famílias cada vez menos numerosas, com núcleos familiares menores ou sozinhas. Isso permite que haja essa contradição, entre uma população que vem diminuindo e ao mesmo tempo o número de domicílios ocupados, que vem aumentando. As formações familiares vem se modificando e isso explica esse aparente paradoxo— explica o professor especialista em Economia do Desenvolvimento da PUCRS.
Moradias vagas e de uso ocasional
Um outro ponto revelado pelo Censo de 2022 é o crescimento dos domicílios vagos e de uso ocasional. No RS existem atualmente 604.277 moradias desocupadas, há 12 anos atrás eram 48.934 domicílios. Os de uso ocasional – que são ocupados parte do tempo, como os de veraneio –, também aumentaram nesse período. Em 2022, são 458.282 imóveis ocasionais no Estado, em 2010 era de 16.292.
O gerente técnico do Censo, Luciano Duarte, afirma que de 2010 para cá, o aumento de domicílios ocupados foi maior, em números absolutos, mas em termos de proporção, os não ocupados tiveram um ganho maior no período.
Tiago Balem, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Feevale, aponta alguns motivos para essa não ocupação dos imóveis, como a mudança no comportamento e no estilo de vida das pessoas.
— Hoje em dia tem famílias menores e pessoas vivendo sozinhas. Há uma mudança no estilo de vida. Depois da pandemia também houve uma mudança no desejo de tipo de imóvel, isso ocasionou migrações para cidades menores, para o litoral, para casas e apartamentos com espaço maior com áreas de lazer no condomínio e com foco na segurança. Modificou o tipo de produto comprado e isso fez com que pessoas com poder aquisitivo comprassem novos apartamentos, e os seus acabaram não sendo vendidos, e por isso estão vagos— analisa Balem.
Isso permite que haja essa contradição, entre uma população que vem diminuindo e ao mesmo tempo o número de domicílios ocupados que vem aumentando.
ANDRÉ SALATA
Professor em Economia do Desenvolvimento da PUCRS
Outro fator que contribui para este cenário de moradias desocupadas é a questão da especulação imobiliária:
—Esse cenário tem ocorrido muito no Brasil e também em Porto Alegre. Temos visto esse fenômeno, que são esses fluxos de capital internacional alocados em cidades que tem um potencial e desejo das pessoas de morarem nelas. Esses valores são investidos em fundos imobiliários que produzem novos investimentos e empreendimentos, mas que não necessariamente representam uma demanda real.
O docente da Feevale argumenta ainda que, em Porto Alegre, o que temos visto é o aumento de imóveis de alto padrão, mas que ficam vazios. Muitas prefeituras entenderam essa lógica e tem tentado aumentar o potencial construtivo dos planos diretores .
— Essa é uma discussão que está acontecendo em Porto Alegre, com esse viés que visa o lucro e não o bem estar social, com a tentativa de aumentar o potencial construtivo, a altura dos edifícios, com a ideia de que com mais volume construído se possa vender mais. Só que, com base nos dados divulgados pelo Censo, a população da capital gaúcha diminuiu, então , se estimula mais a construção, mas para quem? É uma demonstração de que sim, esse tipo de situação afeta as cidades, porém sua importância econômica predomina— finaliza Balem.