Os dados do Censo Demográfico 2022 surpreenderam especialistas ao registrar 203,1 milhões brasileiros na totalização calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso porque o número está abaixo do esperado inicialmente. A prévia da população divulgada em dezembro havia apontado população estimada de 207,7 milhões de pessoas.
Fora esse ponto, para especialistas, o Censo traz informações que refletem cenários esperados: as mortes da covid-19, instabilidade econômica e mudança no planejamento familiar contribuem, em alguma medida, para que o crescimento seja menor no país.
De 2010 a 2022, a taxa média de aumento anual da população foi de 0,52%, a mais baixa desde o primeiro Censo feito no Brasil, no ano de 1872. Entre 2000 e 2010, por exemplo, a taxa média de crescimento populacional por ano era de 1,17%, mais que o dobro da atual, portanto.
Apesar da redução no incremento, ainda há um aumento de 6,5% em relação aos 190,8 milhões de habitantes contados no Censo anterior, realizado em 2010. É o equivalente a 12,3 milhões de pessoas a mais em pouco mais de uma década.
O que pode explicar os dados
O Censo 2022 indica que as famílias brasileiras ficaram menores na última década. Se verifica, ainda, que o Rio Grande do Sul é o Estado com a menor média de moradores por domicílio ocupado: 2,4 por residência. A média nacional é de 2,79 moradores. Na Capital, a média é 2,37 pessoas por domicílio, contra 2,75 em 2010.
Sueli Cabral, professora da Universidade Feevale e socióloga que atua na pesquisa de indicadores de impactos socioeconômico, diz que esse dado corrobora o comportamento da sociedade brasileira nos últimos anos.
— Temos uma percepção na nossa vida cotidiana, no senso comum, de que as famílias estão diminuindo de tamanho. Devido à importância social, econômica e política, o Censo acabou confirmando isso. Existe uma tendência no mundo ocidental desenvolvido da redução do número de pessoas nas famílias. Nos últimos anos, isso chegou ao Brasil — diz a professora.
Para Pedro Hallal, epidemiologista e professor da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos EUA, a pandemia de covid-19 ajuda a explicar por que a população brasileira ficou aquém do estimado nos estudos prévios. Ele cita as quase 704 mil mortes registradas no país por conta da doença desde de 2020.
— É um dado extremamente preocupante. Nós, cientistas, estávamos aqui propondo soluções para que o impacto da pandemia fosse menor no Brasil, mas, infelizmente, não foram ouvidas pelos governantes à época. Esse é o tamanho do estrago que vínhamos alertando— diz Hallal, que foi coordenador do Epicovid, maior estudo epidemiológico sobre a covid-19 no Brasil.
Entre 2010 e 2022, para o especialista, o país foi capaz de enfrentar outras doenças que foram motivo de mortes, como é o caso daquelas transmitidas pelo Aedes aegypti: dengue, zika vírus e chikungunya. Ainda que tenham trazido prejuízo à população, diz o epidemiologista, o Brasil conseguiu “lidar bem” com essas dificuldades.
— É triste que a população brasileira tenha deixado de crescer no ritmo que vinha, sabendo especialmente que entre os mais pobres a mortalidade por covid-19 foi maior. Se tivesse zika vírus e não pandemia, por exemplo, seria um crescimento (populacional) perto da normalidade. O que impactou realmente foi a covid-19 — pontua.
Gilda Maria Cabral Benaduce, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e com pesquisa na área de Geografia Urbana, também cita a possibilidade de a pandemia ter se refletido no crescimento menor da população brasileira. Porém, diferente do epidemiologista, Gilda atenta para o momento de incerteza vivido no país por conta da covid-19, que também tem um viés econômico.
— Na medida em que as famílias se veem com menos poder aquisitivo, elas acabam pensando e negociando a questão do nascimento de filhos, o que reduz o crescimento da população. A epidemia é importante: foram três anos em que muita gente se ressentiu de ter filhos — diz.
Gilda atenta para outro indicador relevante no estudo do IBGE: o número de lares aumentou mais nos últimos 12 anos do que o de habitantes no país. O Brasil chegou à marca de 90,6 milhões de domicílios no ano passado, um salto de 34% em relação aos 67,5 milhões de lares encontrados no Censo 2010. São 23,1 milhões de domicílios a mais, mas, no mesmo período, a população brasileira cresceu 6,5%.
— Essa questão pode estar relacionada com o investimento no capital imobiliário, que é um setor que tem se mostrado muito fértil mesmo em períodos de crise. O próprio estilo de vida de uma parcela da população investindo nesse setor pode influenciar — diz a professora da UFSM.