Tristeza, desânimo, frustração, melancolia, ansiedade, depressão. Para quem não gosta das festas de final de ano e de toda a sobrecarga emocional e de atividades que pode acompanhá-las, o mês de dezembro exige atenção com os sentimentos — e até mesmo os sintomas — que podem despontar nesse período. Reações assim são frequentes e costumam ser desencadeadas por reencontros, desavenças, viagens, ausências e, principalmente, a partir do balanço que se faz a cada final de ciclo. É nessa hora que constatamos, com mais objetividade e clareza, conquistas e derrotas, tendo de lidar, a partir daí, com as sensações despertadas por elas.
Retrospectivas dos principais fatos do ano são entretenimento na televisão e nas leituras, mas a que se faz da própria trajetória nos últimos 12 meses tende a ser difícil para quem não atingiu suas metas — ainda é hábito comum listar, nos dias finais do ano que se despede, o que se almeja alcançar no período seguinte. Ilana Andretta, professora de Psicologia da Unisinos, comenta o caráter reflexivo deste momento:
— As pessoas olham para tudo que aconteceu nos 12 meses e tentam fazer um balanço. É um olhar para a história desses últimos 12 meses, e aí depende da interpretação que você vai fazer. Vêm a frustração para quem se deu conta de que não conseguiu realizar, a tristeza pelos fatos negativos. Ao mesmo tempo, tem pessoas com características mais otimistas: finaliza-se um ciclo, inicia-se outro.
A capacidade de reflexão é fundamental, ressalta a psicóloga. Partindo-se da análise do que deu errado ou não transcorreu conforme o planejado, pode-se tomar medidas de resolução de problemas para que se evite outro desfecho negativo. Soma-se à época de balanço uma agenda que pode estar cheia de compromissos sociais — e aí entram outras sensações. Para muitas pessoas, há encontros e conversas estressantes. Nas ceias e nas festas de Natal e Ano-Novo, os diálogos deixam o âmbito virtual dos grupos de WhatsApp e de outras redes sociais e se transportam para o plano presencial, em que há outros fatores interferindo. Temas mais íntimos e delicados podem vir à tona, com interlocutores frente a frente, o que pode gerar mágoas e até conflitos.
Em um ano marcado pelo mais acirrado processo eleitoral em décadas, as preferências e os posicionamentos políticos extrapolaram a esfera dos bate-papos corriqueiros para complicar ou até inviabilizar a continuidade de algumas relações — entre colegas de trabalho, amigos e parentes. Contatos que já haviam sido prejudicados no pleito presidencial anterior sofreram abalos ainda mais fortes. Este Natal, portanto, apresenta um desafio extra: como acomodar essas sensações diante de reencontros, muitas vezes, inevitáveis?
Para Ilana, os pensamentos que antecedem esses momentos que pretendem ser festivos, mas que, muitas vezes, esbarram em brigas e desrespeito, devem levar em conta lições aprendidas ao longo da pandemia.
O luto é o nunca mais. A pessoa que morreu nunca mais estará conosco. É uma ausência, uma lacuna, um buraco. Não tem muito o que fazer. A ideia é ter forças para suportar: redes de apoio, atividades, uma vida dentro do possível com outros afetos.
ILANA ANDRETTA
Psicóloga
— A vida é um sopro. Uma hora você está vivo e, na outra, pode morrer. Ficamos em isolamento social com nossas famílias, cada um dentro da sua oca com os seus. Talvez tenhamos que entender que a família é a nossa base. É hora de encontrar as famílias. Olhar para o que aconteceu, ponderar, pensar no que cada um tem que mudar na sua trajetória. Entrar em contato com nossos próprios afetos: pensar na frustração, na alegria, na dor, na tristeza. Entender que a vida é muito curta e que precisamos nos ancorar na família — orienta a psicóloga da Unisinos.
Wagner de Lara Machado, doutor em Psicologia, professor e pesquisador da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), acrescenta outros elementos a essa grande mistura chamada dezembro. Evidenciam-se o cansaço ou mesmo a exaustão decorrentes de um ano de trabalho e/ou estudos, entre todas as outras demandas do dia a dia. Se fosse armazenada em um tanque de combustível, a energia do corpo humano estaria no nível de reserva, já emitindo um sinal para o motorista parar em um posto e providenciar o reabastecimento. Essa condição, explica Machado, aumenta a sensibilidade para eventos negativos, tornando as pessoas mais irritadiças, tristes, ansiosas, estressadas. Trata-se de uma desregulação emocional, que pode pender para qualquer lado.
— Também aparece o nível de autocrítica, perfeccionismo, autoexigência. As pessoas haviam imaginado estar de determinada forma em relação a status, condição financeira, trabalho. Se não alcançaram, ficam frustradas. Às vezes, nem é preciso ter perdido algo, basta não ter conseguido: não perdeu o emprego, mas não teve a promoção que imaginava que teria — exemplifica Machado, também coordenador do Grupo de Pesquisa Avaliação em Bem-estar e Saúde Mental da universidade.
— O ser humano tem muito isso de se comparar ou responder às expectativas dos outros. Tem um lado bom, você vai criando uma régua social. Mas, no final do ano, você encontra as pessoas, que têm expectativas. Tem umas mais discretas, outras não. O brasileiro tem essa proximidade afetiva, é da nossa cultura perguntar muito — acrescenta o professor.
A melancolia pode ser um componente do período, e não necessariamente ruim. Ilana destaca que, para alguns, é parte natural do processo e pode ser motivadora para ajudar a entender o que realmente tem valor na vida. Propagandas natalinas na televisão ou na internet mostram, em geral, famílias extremamente felizes diante de mesas fartas — nessa hora, pense que se trata da representação de um ideal, e não da vida real.
— Hoje temos a realidade da população que talvez não tenha o que comer na ceia. Há famílias que discutiram, brigaram. Pode ficar essa sensação de frustração. Por que a minha família não é assim (como a do comercial)? Não vejo essa melancolia como negativa. É negativa para quem a sente, mas se dar conta da melancolia nos leva a fazer algo com ela — afirma Ilana.
Respeite os seus limites
Todo tipo de relação ganha centralidade nesta época: as ótimas, as boas, as ruins, as nem tão boas. Para muitas famílias, com características mais controladoras e impositivas, as reuniões festivas são inegociáveis, e a falta de um convidado não é tolerada. Para pessoas que têm desavenças, esses encontros se tornam muito penosos. Indivíduos que preferem se recolher e não participar de celebrações também acabam enfrentando estranhamento e insistências. Machado recomenda que a pessoa não deve se expor quando algo lhe ofende ou causa prejuízo muito significativo.
— Cada um dá essa medida. Tem quem pense “é só uma ceia” ou “é só um final de semana”, mas, às vezes, dois dias são suficientes para gerar um grande dano na autoestima ou no julgamento sobre si mesmo. Daí vem mais uma carga enorme para uma pessoa que já tende a ter um julgamento mais severo sobre si mesma — afirma o docente e pesquisador da PUCRS.
— As relações familiares têm essa duplicidade: são pessoas que amamos, que queremos no nosso convívio, mas que geram exigências, comparações, grandes dores, frustrações, sofrimento. Cada um deve ter a sua medida: é tolerável? Às vezes, é melhor se preservar. Invente uma desculpa. O brasileiro tem medo de desagradar os outros. Admiro culturas em que sou eu em primeiro lugar. O brasileiro tem isso do autossacrifício, o que é muito perigoso. Você pode ultrapassar um limite seu que é importante — complementa.
Há pessoas solitárias, por opção ou consequências imprevisíveis da vida, que se beneficiam de uma atenção especial dos mais próximos. Tente se mostrar interessado, perguntando como tem passado, se já planejou onde e com quem passar o Natal e o Ano-Novo. Entregar um panetone e frisar que você está disponível caso ela queira conversar é extremamente significativo.
Também aparece o nível de autocrítica, perfeccionismo, autoexigência. As pessoas haviam imaginado estar de determinada forma em relação a status, condição financeira, trabalho. Se não alcançaram, ficam frustradas.
WAGNER DE LARA MACHADO
Doutor em Psicologia, professor e pesquisador da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS
— A melhor sensação para uma pessoa que está triste e solitária é saber que ela tem com quem contar — observa Ilana.
Aqueles que enfrentaram perdas recentes têm o desafio das primeiras datas comemorativas sem a pessoa amada que morreu.
— O luto é o nunca mais. A pessoa que morreu nunca mais estará conosco. É uma ausência, uma lacuna, um buraco. Não tem muito o que fazer. A ideia é ter forças para suportar: redes de apoio, atividades, uma vida dentro do possível com outros afetos. É muito sofrido, uma ferida que vai cicatrizando lentamente. Como o Natal é um período de religiosidade, simbolismo, apegar-se um pouco à religião talvez seja um fator de proteção — diz Ilana.
Mantendo a ideia de encerramento e recomeço de fases, a professora da Unisinos ressalta uma dica que pretende aliviar a pressão de quem se sente soterrado pelo excesso de afazeres — sejam tarefas mais imediatas, como compra de presentes e organização de celebrações, sejam aquelas que não foram concluídas e exigem prazo de execução maior.
— Em dezembro, cognitivamente, as pessoas entendem que, como um ciclo está chegando ao fim, têm que resolver todas as pendências. Observe o trânsito: fica caótico. Talvez porque o mês tenha três semanas (considerando-se os dias úteis), talvez porque se deem conta de que não conseguiram fazer tudo o que tinham que fazer em 12 meses. Mas tem que pensar que, em 1º de janeiro, a vida segue. O que não deu para fazer até aqui dá para fazer depois. É preciso definir o que é urgência e o que não é — recomenda a psicóloga.
O peso do estresse
Dados da International Stress Management Association (Isma-BR) indicam que há aumento em torno de 80% no estresse entre o final de novembro e os primeiros dias de janeiro, com agravamento na semana do Natal. Estão incluídas aí situações que afetam as pessoas como episódios que requerem adaptação, causando estresse, ansiedade, angústia, culpa e raiva.
— Há uma relação direta entre estresse e emoções. Por exemplo, nem todos os estressados estão ansiosos. Podem estar frustrados, deprimidos etc. No entanto, toda pessoa ansiosa está estressada — explica a psicóloga clínica Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR.
Os principais gatilhos para o estresse, segundo Ana Maria, são incerteza sobre questões financeiras, rumos da política, excesso de tarefas nas empresas devido a enxugamento do quadro de funcionários, conflitos pessoais por diferenças ideológicas, gastos adicionais desta época, planejamento de festas de final de ano e férias. A psicóloga destaca ainda as mortes de parentes e amigos ao longo da pandemia, provocando nos indivíduos “um vazio que não passa”.
— Este ano, temos constatado que as emoções estão mais intensas, e as pessoas, em geral, mais irritadas e agressivas — comenta a psicóloga.
Quando pedir ajuda?
- Para quem sofre profundamente nas semanas que antecedem o Natal e a virada do ano, é preciso estar atento aos impactos que podem ser sentidos na rotina. Quando a própria pessoa não consegue se dar conta do quanto está sendo prejudicada, a observação atenta de amigos, familiares e colegas de trabalho pode ajudar.
- Se o sofrimento é tolerável, busque realizar as atividades necessárias, fazer sua reflexão e tocar a vida adiante. Caso se trate de uma tristeza tão potente que o impede de sair da cama para cumprir os compromissos, é preciso pedir ajuda a amigos e familiares ou buscar a orientação de um profissional.
- É normal que situações estressantes sejam capazes de nos desestabilizar, mas se espera que o organismo volte a se regular e a funcionar normalmente depois. Preste atenção em como você vem reagindo.
- Os sinais de que o seu estado emocional está atrapalhando o seu funcionamento podem aparecer no desempenho das atividades profissionais, nas relações interpessoais, no sono — dormir demais ou muito pouco, por exemplo.
- Outros sintomas que podem surgir são aceleração dos batimentos cardíacos, aumento ou diminuição radical de apetite e peso, episódios de compulsão alimentar, indigestão, azia, diarreia, constipação. Dor e pressão no peito podem sugerir um infarto — e essas ocorrências não devem ser ignoradas —, mas, muitas vezes, compõem uma crise de angústia.
- Se você já vinha enfrentando dificuldades em outros momentos do ano, sentindo-se deprimido ou desmotivado demais, é esperado que o final do ano pareça uma muralha intransponível, a gotinha que faltava para o transbordamento. O ideal seria não ter deixado a situação piorar até aqui, mas sempre é hora de pedir auxílio e encaminhar um tratamento com psicólogo ou psiquiatra. O ideal, em muitos casos, é a combinação de psicoterapia e medicação.
Olhe para a frente
- É interessante e benéfico ter uma lista de metas a serem cumpridas no próximo ano, desde que sejam exequíveis, realistas, possíveis. Não estipule objetivos inalcançáveis apenas para tentar provar a si mesmo que é capaz de tudo (e não é). Trace um caminho que o ajudará a alcançar o que você está se propondo.
- Se o ano que passou foi marcado por desentendimentos e brigas de qualquer ordem, pense em qual foi o seu papel nesses conflitos. Reflita, analise, repasse tudo o que aconteceu. Se houver a possibilidade de conversar com as pessoas envolvidas e acenar para uma trégua e o retorno à normalidade, faça isso. Leve em consideração que outros familiares ou amigos acabam sendo afetados por brigas nas quais nem estiveram envolvidos. Dois irmãos que deixam de se falar, por exemplo, submetem o pai e a mãe, entre outros parentes, a enorme sofrimento.
Prevenção do suicídio
O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, pelo telefone 188, e-mail e chat 24 horas, todos os dias. Mais informações no site cvv.org.br.