É difícil creditar Jason Silva. Filósofo e futurista são atributos insuficientes. Aos 38 anos, ele se proclama performer. Suas falas, nos vídeos vistos por milhares de pessoas, em especiais jovens, nas redes sociais ou em palestras, de fato, se adaptam ao termo. Silva abusa das metáforas para fazer com que a ciência seja mais gostosa de se aprender. Nascido em Caracas, Venezuela, mas vivendo há anos nos Estados Unidos, conecta história, ciência e tecnologia com uma linguagem didática e apaixonada por conhecimento por vezes com doses de neurolinguística.
O apresentador dos programas Jogos Mentais e Origins, do National Geographic Channel, também explora temas como criatividade exponencial e imaginação e defende o uso responsável de substâncias psicotrópicas para ativar o cérebro. Ele será um dos palestrantes do Festival POA2020, no qual falará na sexta-feira (4/12), às 9h30min (veja mais detalhes da programação ao final desta publicação). De Tulum (México), ele concedeu a seguinte entrevista por telefone.
Você costuma dizer que se fosse vivo hoje, Aristóteles, um dos maiores filósofos da história, teria um canal no YouTube. Você ocupa vários espaços midiáticos. Como é o seu processo de criação?
Para mim é muito importante meu estado mental, que eu me sinta estimulado e relaxado ao mesmo tempo. Não sei se você conhece o termo flow (“fluidez” em inglês). Meu amigo Steven Kotler escreveu um livro chamado Rise of Superman: Decoding the Science of Ultimate Human Performance (em tradução literal, “O despertar do super-homem: decodificando a ciência da performance humana definitiva”), inspirado na ideia de flow. Quando alguém está em flow, tem acesso a mais informações, pensa por meio associações. Quando entro em flow, diferentes ideias se conectam. Encontro conexões entre pensamentos, e isso me permite alcançar novas perspectivas e visões. Quando estou em flow, minha capacidade de improvisação se eleva muitíssimo. Não necessito sequer ter um plano. A única coisa de que preciso é focar em chegar a esse estado mental e me entregar a isso.
Mas é muito difícil, hoje em dia, atingirmos um nível de concentração elevado, uma vez que estamos a todo momento expostos a diferentes mídias e hiperconectados, não?
Sim, é preciso ser muito disciplinado com o seu tempo de desconexão. Quando entro em flow, desligo meu telefone, coloco meu celular em modo avião, para que não me interrompam. Porque não posso estar em um estado fragmentado, não posso ter diferentes sinais interrompendo minha consciência. Necessito estar aqui e presente. É muito importante criar o que muitos chamam de “círculo mágico”, como ocorre quando as pessoas fazem meditação ou vão à Igreja rezar, por exemplo. São espaços sagrados. Para mim, a criatividade é um espaço sagrado. Trato a criatividade como ir a um templo. É um espaço sagrado para entrar em outra dimensão de consciência onde se tem acesso a mais informação.
Como você está vivendo essa pandemia de coronavírus? Há aprendizados?
Essa pandemia tem sido algo muito difícil para a humanidade. Ela nos forçou a nos acostumarmos a certas restrições, já bastante debatidas. Há argumentos para os dois lados: gente que diz que há exagero e histeria e pessoas que dizem que as restrições são necessárias, que não deveríamos sair de nossas casas etc. Para mim, é uma situação de tratar de avaliar a propaganda dos dois lados e encontrar um argumento que vá pelo centro. É importante ter algum cuidado, obviamente, mas não se pode viver como um prisioneiro. Tive a oportunidade de escapar para a natureza, onde não me sentia restringido, era fácil não juntar-me com grupos de pessoas em espaços pequenos. Esse foi o equilíbrio que consegui. Mas, emocionalmente, foi muito difícil para mim o histerismo e o sofrimento. Centenas de milhares de pessoas foram obrigadas a permanecer sem conexão humana. Isso é muito complicado, obviamente. Graças a Deus temos internet. Mas creio que muitas coisas boas podem sair dessa pandemia, muitos avanços tecnológicos. Por exemplo, a rapidez do desenvolvimento das vacinas, por parte da Pfizer e da Moderna (laboratórios cujos produtos estão em fase final de testes), que usam uma tecnologia do século 21, incrível, manipulando a genética para inocular-nos contra o vírus. Houve muitos outros avanços científicos durante a pandemia, que serão positivos para a humanidade. Por isso, pode-se considerar que foi um ano muito interessante.
Você tem contato com milhares de jovens que o seguem em diferentes canais graças à maneira como transmite conhecimentos científicos, conectando-os com filosofia e tecnologia. Como foi sua juventude? Em que momento houve o clique de conectar esses campos de conhecimento?
Minha mãe é professora de literatura há 40 anos. Eu me criei em um ambiente cheio de conhecimentos, de livros, de arte, de ideias. Minha mãe também é poeta e artista. Em minha casa, sempre se celebrava a criatividade, as ideias, a arte e a filosofia. A vida é explorar e expressar o que se descobre. Graças a Deus, para mim, esse foi o ambiente no qual me criei. Portanto, é natural que a curiosidade fosse celebrada em minha casa. Ninguém nunca me impôs restrições. Ou seja, se eu quisesse estudar tecnologia, filosofia, cinema, arte, sexualidade, minha mãe dizia: “Vá adiante!”.
Você não pode obrigar um adolescente, que está explodindo em hormônios, que deseja se expressar, dançar, sentir-se livre, a se sentar em uma cadeira e anotar por cinco horas. A educação tem de ser desenhada para capturar a mente. E a mente se deixa capturar quando está assombrada, apaixonada. Os educadores têm de reinventar a forma como se educa as pessoas.
O mundo do conhecimento hoje é bastante segmentado: ou se estuda matemática, ou filosofia, ou literatura... Você defende um aprendizado mais holístico?
Sim. É o que chamamos de generalista. Uma pessoa que se interessa por um pouquinho de tudo. Gosto de encontrar as conexões entre as diferentes áreas e temas. Quero discutir o universo não só com um cientista, mas também com um poeta. Quando um cientista te explica como funciona o universo, o sistema solar, os planetas, as estrelas, imagino: “O que pensa um poeta sobre isso?”. Para mim, é sempre uma questão de interconexão entre as diferentes áreas de estudo.
Como os educadores podem fazer essa interconexão?
Havia um tempo, na Renascença, em que os cientistas e os artistas eram amigos. E os primeiros cientistas se chamavam naturalistas. Eram cientistas, mas eram também poetas, artistas. Eram pesquisadores, a curiosidade era o que lhes alimentava. Havia muito mais integração. Deveríamos resgatar essa integração.
Recentemente, conversei com uma pesquisadora da Nasa que afirmou que muitas crianças adoram ciências durante a infância, mas perdem o interesse quando se tornam adolescentes. Como tornar a escola interessante?
Creio que é necessário ter um enfoque mais na paixão e no assombro. Você não pode obrigar um adolescente, que está explodindo em hormônios, que deseja se expressar, dançar, sentir-se livre, a se sentar em uma cadeira e anotar por cinco horas. A educação tem de ser desenhada para capturar a mente. E a mente se deixa capturar quando está assombrada, apaixonada, inspirada. Temos de fazer um trabalho melhor. Os educadores têm de fazer um trabalho melhor para reinventar a forma como se educa as pessoas.
Mas como fazer isso com uma educação muito baseada em um modelo vitoriano?
Exato. É hora de transformar a educação. É hora de mudança.
Tem a ver com a frase que você costuma dizer que a tecnologia nos deu poder de Deus, enquanto nosso cérebro ainda está no paleolítico?
Essa é uma ideia do naturalista Edward O. Wilson. Ele disse que temos cérebros paleolíticos, temos leis medievais e tecnologia de deuses. Aí está o problema.
Havia um tempo, na Renascença, em que os cientistas e os artistas eram amigos. E os primeiros cientistas se chamavam naturalistas. Eram cientistas, mas eram também poetas, artistas. Eram pesquisadores, a curiosidade era o que lhes alimentava. Havia muito mais integração entre eles. Deveríamos resgatar essa integração.
Como desenvolver o cérebro?
Penso que a evolução, agora, tem a ver com uma evolução da consciência. Por isso estamos vendo tantos avanços com o uso de tecnologias psicodélicas. Vários estudos, da Universidade Johns Hopkins e outras, estão trabalhando com gente de primeira, que usam ferramentas psicodélicas em sessões de terapia para transformar as perspectivas das pessoas, lhes abrindo o cérebro. Basicamente, lhes fazem algo como um “reset” e lhes curam as aflições mentais. Creio que essas ferramentas psicodélicas têm muito potencial quando utilizadas de maneira séria, para ajudar a expandir nossas mentes.
Isso inclui o uso de maconha, que você defendeu recentemente durante um podcast?
Claro, a maconha é um medicamento que tem sido utilizado há milhares de anos, por várias religiões, em nível mundial. Foi utilizada por artistas: o jazz americano não existiria se não fosse pela maconha, o rock ‘n’ roll não existiria senão fosse pela maconha, a poesia de William Blake (poeta inglês) não existiria não fosse pela maconha. As pessoas assumem essas imagens de caricatura de um fumante sentado a seu sofá comendo Doritos todo o dia. Mas não: é preciso expandir um pouco. Aqui se trata do uso responsável e respeitoso do que afinal é uma ferramenta. Mas qualquer ferramenta como qualquer tecnologia também pode ser utilizada de forma negativa.
Você recebe muitas críticas por defender o uso de maconha, uma vez que fala para um público de milhões de jovens?
Não. Lembre que vivo há muitos anos na Califórnia, onde a maconha é aceita como o vinho.
Mas você tem muitos seguidores na América Latina, um continente bastante conservador.
Sim, mas muitos dos meus seguidores são pessoas que chamaria de seekers ("buscadores", em inglês), pessoas que estão muito interessadas em ioga, meditação, na espiritualidade, em whellness (harmonia entre corpo e mente). E muitas dessas pessoas estudaram e entendem que, quando falo de psicodélicos e de maconha, não estou dizendo aos estudantes que devem fumar após o colégio para nada. Estou dizendo que essas são ferramentas que precisam ser respeitadas e que, usadas de forma responsável, podem ser benéficas.
Você é um homem de ciência e que explica filosofia a milhares de pessoas por meio de canais tecnológicos. O que pensa sobre as ideias segundo as quais a Terra seria plana, ou os movimentos antivacina?
Isso é muito preocupante, porque um dos efeitos secundários das redes sociais é que a propaganda, ou o que chamam de desinformação, ou notícias falsas, está competindo diretamente com a informação legítima. Ambas dividem um espaço que já não é desigual. Portanto, é difícil distinguir entre o sério e verdadeiro e o falso, propagandístico. Isso criou uma fratura mental, que torna mais difícil se encontrar informação séria sobre a ciência, sobre a política, sobre o que está ocorrendo no mundo. E criou oportunidades para agentes que têm intenção de basicamente sequestrar nosso conhecimento.
Inicialmente, as redes sociais eram vistas como libertadoras, mas hoje têm uma face muito obscura, de propagação de fake news, preconceito e discursos de ódio. Qual a sua visão sobre as mídias sociais?
Penso que a tecnologia sempre foi algo que estende, mas também faz uma amputação. Muitos futurólogos dizem que a tecnologia é como uma faca de dois gumes.
Não é má nem boa por si só.
Exato. Quando domesticamos o fogo, aprendemos a cozinhar nossa comida. E isso mudou o mundo. Mas, quando domesticamos o fogo, também o passamos a convertê-lo em algo para queimar nossos inimigos. A tecnologia do alfabeto, que utilizamos para criar palavras e conhecimento, também pode ser utilizada para manipular as pessoas Toda a tecnologia tem uso duplo. Por isso, é importante que nunca deixemos de ser responsáveis ao utilizarmos nossos instrumentos.
Muitos pais e mães preocupam-se com o fato de os filhos ficarem conectados muito tempo aos smartphones. O que você diria a eles?
É necessário estabelecer uma relação disciplinada com todas as ferramentas e redes sociais. Trata-se de uma relação entre pais e filhos e dos filhos com a tecnologia, com os celulares. É semelhante à relação que temos com a comida. Se nossos pais não nos ensinam como comer de forma nutritiva, se passamos todo o dia comendo batata frita e hambúrguer, vamos nos tornar obesos e desenvolver diabetes. Mas, se comemos vegetais, a comida vai ser nutritiva. Com os celulares é igual. Como você os usa? Como batatas fritas e hambúrguer ou como vegetais?
O mundo está sendo transformado diariamente pela tecnologia. A tecnologia muda de maneira exponencial. O ser humano pensa de forma linear. Então, há uma dissonância.
Você costuma dar palestras a empresários e executivos, pessoas focadas em resultados e com uma mente bastante racional. Como fazer uso da imaginação e da filosofia para ter resultados práticos?
Ao final, o mundo está sendo transformado diariamente pela tecnologia. A tecnologia muda de maneira exponencial. O ser humano pensa de forma linear. Então, há uma dissonância. Os executivos estão pensando praticamente de maneira linear, enquanto a tecnologia digital continua mudando exponencialmente. Requer imaginação. O instinto do ser humano é pensar de forma linear. Então, fica para trás. Você necessita expandir a sua imaginação para entender porque as tecnologias estão mudando de forma exponencial para que você também entenda que qualquer plano prático que tenha seja igualmente exponencial.
Você nasceu na Venezuela e vive há muitos anos nos Estados unidos. Ainda acompanha a crise em seu país? Tem família lá?
Tenho minha avó e meu tio vivendo na Venezuela. O que está ocorrendo no país é uma tragédia humanitária, contra os direitos humanos, de incompetência e corrupção, que se converteu diante dos olhos do mundo em um governo ilegítimo. Eu gostaria que houvesse condições para eleições livres na Venezuela.
O evento
- O Festival POA2020 é um encontro sobre inovação, transformação e música marcado para sexta-feira e sábado, dias 4 e 5/12. Com programação 100% virtual e gratuita inspirada em eventos disruptivos de outras cidades do mundo, terá discussões sobre a produção de sentido nos tempos atuais.
- A curadoria de 18 profissionais de diversas áreas selecionou mais de cem convidados, entre os quais, além de Jason Silva, estão Cláudia Costin, Tábata Amaral, Pedro Englert, Richard Florida, Djamila Ribeiro, Suzana Herculano, Ailton Krenak, Lara Lutzenberger, Saskia Saten e Emicida.
- A idealização é do coletivo Poa Inquieta, e a realização, do Pacto Alegre, com correalização da Aliança para a Inovação, prefeitura de Porto Alegre e governo do Estado. Veja os horários das mesas e outras informações em festivalpoa2020.com.br.