Superado o primeiro mês de quarentena, Cristianne Percivale, 37 anos, e Guilherme Gomes, 27, se sentiram sufocados no apartamento onde moram, um imóvel de 60 metros quadrados no miolo do bairro Menino Deus, em Porto Alegre. O escritório adaptado no quarto de hóspedes se mostrou apertado, e a ausência de uma área ao ar livre se tornou claustrofóbica.
Até o gato, Oliver, acostumado às manhãs e tardes solitárias, deu sinais de estresse por causa da companhia constante do casal. Dispostos a se afastarem da área central da cidade em busca de mais espaço, Cristianne e Guilherme compraram uma casa ampla em um condomínio, situado no bairro Agronomia, a 10 quilômetros do atual endereço.
– Antes, não sentíamos esse confinamento, porque passávamos o dia inteiro na rua. Mas, na pandemia, percebemos que o tamanho era insuficiente. Aí, abrimos mão da localização para termos o convívio com a natureza – conta Cristianne, que é consultora de franquias.
Em meio às rotinas familiares transformadas pelo coronavírus, o casal não está sozinho na procura por imóveis maiores, abastecidos por um lugar ao sol e, se possível, um gramado para chamar de seu. A ordem de isolamento motivou uma disparada na demanda por casas no Rio Grande do Sul pela camada mais rica da população que, imune à crise financeira, está apta a investimentos.
Segundo representantes do setor, o coronavírus modificou, em poucos meses, uma tendência consolidada do mercado imobiliário. A preferência por apartamentos compactos, instalados em condomínios de bairros centrais e com enorme infraestrutura coletiva, deu lugar à predileção por residências espaçosas localizadas em áreas mais retiradas da cidade. Itens como sacadas e unidades garden, com um pequeno jardim no térreo, também passaram a ser prioridade.
– Havia uma inclinação ao compartilhamento de quase tudo que diminuiu com a pandemia. Esse isolamento prolongado revalorizou a moradia, ampliando o desejo de melhora da qualidade de vida pelo contato com a natureza. Agora, os clientes pedem pátio, sacada e uma bela vista – assinala Aquiles Dal Molin Júnior, presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS).
Na prática, o confinamento imposto pelo risco de contágio antecipou planos que estavam reservados para o futuro. Cristianne e Guilherme, por exemplo, discutiam sobre o anseio de mudança para uma casa assim que tivessem o primeiro filho. O cotidiano circunscrito às paredes do apartamento, somado à disponibilidade financeira, apressou a decisão antes da chegada de um bebê.
Pelo calendário do casal, a instalação no imóvel de três andares, que tem mais do que o dobro da metragem do atual, está prevista para dezembro. Até lá, Cristianne idealiza as estantes de sua futura biblioteca, que será em um escritório isolado da área social, e a estrutura de lazer que montará no gramado do quintal:
– Depois que isso tudo terminar, nossa vida não será mais a mesma. Estamos realizando um sonho.
Alta na venda de casas de até 150%
Duas das principais imobiliárias do Rio Grande do Sul confirmam, em seus relatórios, a tendência seguida por Cristianne e Guilherme. Na Foxter, a venda de casas disparou 67% de maio a julho em relação ao primeiro trimestre deste ano, saltando de 36 para 60 unidades. Já nas coberturas, a alta foi de 91%, e, nos terrenos, de 267%.
– Há uma mudança de prioridades. Se antes as pessoas preferiam áreas de infraestrutura, condomínios com forte apelo de design e em bairros mais nobres, elas passaram a valorizar mais o seu ninho, da porta para dentro. Buscam imóveis maiores, com ambientes mais bem divididos e contato com a natureza, que deem a sensação de liberdade e a possibilidade de pé na grama – afirma o sócio-diretor da Foxter, Fernando Erhart.
Fechadas ao longo de meses por força dos decretos de distanciamento social, imobiliárias tiveram de se adaptar para atendimentos a distância. Pela demanda de clientes, a Guarida Imóveis investiu em visitas virtuais, nas quais potenciais consumidores podem até medir a largura de paredes, e produziu transmissões ao vivo de imóveis pelas redes sociais.
Na imobiliária, o comércio de casas também aumentou. Pulou de 34, entre março e junho de 2019, para 46 nos mesmos meses de 2020, um crescimento de 35%. Levando em conta apenas o pico de negócios, registrado em junho e julho, a subida chegou a 150%.
– Está bem marcante: a procura é por imóveis que facilitem o trabalho de casa e melhorem a qualidade de vida das pessoas – diz a gerente comercial da Guarida, Élcia Silva.
Juros mais baixos da história aquecem mercado
Embora o comportamento do consumidor à procura de conforto e privacidade tenha sido determinante, as taxas de juro para financiamentos habitacionais mais baixas da história são apontadas como as principais responsáveis pelo recente entusiasmo do mercado. Na contramão da imensa maioria dos setores da economia, o imobiliário está aquecido — o volume liberado para financiamento com recursos da poupança aumentou 29% no país no primeiro semestre, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
O ambiente está mais oportuno do que nunca para a compra da casa própria no país. Atualmente, os juros médios são de 7% ao ano, cinco pontos percentuais a menos do que em 2016, segundo pesquisa do portal Credihome. Há, ainda, pacotes de estímulo do governo, incluindo regras para o uso de imóvel financiado na garantia de um novo empréstimo e incentivos ao crédito para terrenos e construções individuais.
Para o presidente do Sinduscon-RS, os rendimentos mais tímidos por conta da queda nos juros também tornaram o investimento em imóveis uma alternativa sedutora:
– As vendas estão aquecidas por três fatores. Primeiro, pela vontade das pessoas de mudança, de olho na melhora de sua qualidade de vida. Segundo, pelos juros do mercado imobiliário mais baixos da história, que ajudam muita gente a realizar o sonho do imóvel próprio. E, por último, pela baixa atratividade dos investimentos financeiros, que fazem do imóvel um investimento seguro que irá valorizar no pós-pandemia.
Migração para residências mais amplas
Além do movimento migratório de apartamentos para casas, corretores também identificaram outra onda no mercado impulsionada pela pandemia. Tratam-se de famílias com filhos que já tinham suas casas, mas que, em busca de mais liberdade, saíram para residências graúdas, assentadas em condomínios integrados com a natureza.
Júlia Dal Santo, 25 anos, e Laerte Sousa, 32, que atuam no ramo imobiliário, integram essa corrente. Pais da Laura, seis, e da Luiza, prestes a completar seu segundo aniversário, o casal reside, atualmente, em uma casa no bairro Agronomia, em Porto Alegre. O pátio da residência é de porcelanato, e a vista dá para o muro do vizinho.
Decididos a valorizarem os momentos em família, adquiriram uma casa no condomínio Terra Ville, no bairro Belém Novo. O contrato foi assinado em junho e, agora, o casal encaminha as obras para se mudar em até dois meses para um imenso imóvel de 400 metros quadrados.
– No início, achávamos que seriam uns 20 dias dentro de casa. Só que estamos há cinco meses nesta história e não sabemos quando tudo voltará ao normal – comenta Júlia. — Já tínhamos a liberdade de estar em um ambiente ao ar livre, olhar para o céu e caminhar pelo condomínio. Mas é diferente acordar à beira de um lago e ver o pôr do sol no gramado. Nem se compara.
Amigos do casal há anos, o empresário Thiago Rocha, 33, e a nutricionista Aline Dalmazo, 32, serão, em breve, vizinhos de Júlia e Laerte. Na última segunda-feira (10), assinaram o contrato de compra de uma casa, também no Terra Ville, deixando para trás a anterior, construída em um condomínio de residências geminadas no bairro Rubem Berta.
– Era uma casa de pouso – resume Thiago.
Pelos planos da família, será o espaço para que o pequeno Theo, de um ano, e sua mascote, a vira-lata Pfaffiá, brinquem ao ar livre, enquanto Thiago e Aline aderem ao home office.
– É um espaço maior para que a família fique mais tempo em casa, com quarto para as avós, consultório e escritório para trabalharmos, até porque o condomínio é um pouco mais distante – comenta o empresário.