Atentas à mudança no perfil dos clientes devido ao confinamento imposto pelo coronavírus, construtoras têm reformulado seus projetos para atender aos novos anseios. Uma pesquisa da DataZap, empresa de dados do mercado imobiliário, mapeou recentemente que 65% dos entrevistados querem, no pós-pandemia, ambientes mais divididos, 60% sonham com uma varanda e 51% aspiram uma casa maior.
Um empreendimento recém-lançado da Cyrela no bairro Bela Vista, na Capital, passou por mudanças pontuais, conversando com as tendências palpitantes. Apesar de ofertar apartamentos compactos, de 29 e 69 metros quadrados, a construtora instalou jardineiras nos parapeitos, dando a sensação de proximidade com o meio ambiente, e desenvolveu um coworking com baias divididas onde, anteriormente, estaria apenas o lobby do condomínio.
Também criou uma portaria exclusiva para encomendas, até com área refrigerada para o armazenamento de alimentos, e segmentou a estrutura de lazer – um ambiente único para eventos foi transformado em dois. O CEO da Regional Sul da Cyrela, Rodrigo Putinato, aposta que ainda haverá interesse em unidades menores:
– Sem dúvida, as pessoas querem mais luz e mais verde, mas isso não diminui a demanda absurda por esses apartamentos compactos. As readequações serão nas áreas de convivência, divididas em mais departamentos.
CEO da incorporadora ABF Developments, de imóveis de luxo, Eduardo Fonseca também modulou um de seus empreendimentos, um condomínio de apartamentos que resgatam o conceito de casas no bairro Três Figueiras. Com as unidades garden esgotadas, adaptou o paisagismo das demais, instalando hortas verticais na varanda e gramado em frente à piscina.
– Humanizamos algumas unidades com paisagismo, criando um pool garden onde antes tínhamos pedra ou madeira. Essa nomenclatura foi desenvolvida pela pressão de compra do mercado. Os clientes querem um pedacinho de céu para olhar e um jardim para pisar – relata Fonseca.
Engana-se quem pensa que a chance de colocar os pés na grama está restrita aos imóveis de alto padrão. Especialista na construção de residenciais populares, a MRV percebeu um aumento na saída de seus apartamentos térreos com jardim, que custam até 20% a mais do que os demais.
O gestor comercial da MRV no Rio Grande do Sul, Marcello Rosito, calcula que essas unidades tenham sido negociadas 35% mais rápido do que as demais durante a pandemia. A construtora registrou incremento de 10% nas vendas de apartamentos no Estado nos últimos três meses, se comparado ao mesmo período de 2019 – apenas na Região Metropolitana, a alta mais expressiva, de 20%.
– O lar está ganhando uma conotação diferente com a pandemia. Aliadas às condições oferecidas pela Caixa, as pessoas viram a importância de ficar em casa com conforto. O consumidor que tinha dúvidas, especialmente do nosso público, do Minha Casa, Minha Vida, está comprando seu imóvel, porque a pandemia gerou uma necessidade de saída do aluguel. A aquisição de imóveis virou uma tendência – diz Rosito.
Professora do Insper e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Bianca Tavolari reconhece o protagonismo auferido à moradia por conta do confinamento. Bianca nota, no entanto, que esses comportamentos amplificam as desigualdades sociais – e habitacionais – do país:
– Num contexto de isolamento, no qual a principal recomendação é ficar em casa, aparecem diversos problemas relacionados à moradia e à vulnerabilidade. Há pessoas que podem fazer escolhas, se movimentando na busca por lugares com varanda, sol e quintal. Mas, isso, claro, é uma posição privilegiada. Há uma parcela muito grande da população que não pode fazer esse tipo de cálculo por melhores condições em meio à pandemia.