Depois de passar pelos desgastes físico e emocional de perder dois bebês, Clarice Londero, 40 anos, deixou para trás o desejo de engravidar, mas não esmoreceu no sonho de ser mãe. Em acordo com o marido, Fernando Arndt, a administradora optou pela adoção. Abrindo mão das expectativas iniciais a respeito do perfil de criança que desejava, o casal também contrariou as estatísticas e formou uma família com duas irmãs de 10 e sete anos, uma faixa etária historicamente difícil de ser contemplada com um novo lar, já que a adoção tardia ainda é um desafio para a Justiça e para a sociedade.
O processo foi longo. Em novembro de 2014, o casal ingressou com um pedido para entrar na fila de adoção. Só um ano e 13 dias depois da solicitação eles passaram a integrar, oficialmente, a lista de espera. No cadastro, demonstravam interesse por crianças de até cinco anos e que, se fossem irmãos, que fossem gêmeos. Mas, em março de 2018, conheceram Karoline e Kauana, que os fizeram mudar de ideia.
O encontro ocorreu quando o casal trabalhou como voluntário nas gravações de vídeos do Tribunal de Justiça para estimular a adoção. Naquele momento, já manifestaram interesse nas irmãs. Como é preciso respeitar a fila, o casal teve de esperar uma nova oportunidade para reencontrar a dupla.
Esse dia chegou dois meses depois, durante o evento Missão Diversão, criado pela hoje universitária Marcella Bertoluci. Quatro dias após o novo encontro, Clarice e o marido receberam a informação de que poderiam iniciar os trâmites para adotar as meninas. Foram algumas semanas de discussão, planilhas de gastos familiares e conversas até bateram o martelo: estavam certos de que as irmãs Karoline, 10 anos, e Kauana, sete, fariam parte da família.
— Se a gente pensar, a mais nova nasceu quando eu comecei a tentar engravidar. Elas já estavam nesse mundo, só demoramos para achá-las. Eu e meu marido já tínhamos essa vontade: filhos biológicos e uma adoção. Papai do Céu ouviu só a segunda parte — conta Clarice.
Se a gente pensar, a mais nova nasceu quando eu comecei a tentar engravidar. Elas já estavam nesse mundo, só demoramos para achá-las.
CLARICE LONDERO
Mãe de Karoline e Kauana
No dia 27 de julho do ano passado, depois de diversos momentos de adaptação, em que pegavam as gurias para passeios de um único dia e depois as levavam de volta ao abrigo, finalmente o casal recebeu a guarda das crianças, que desembarcaram de mala, cuia "e amor" no apartamento do casal, no bairro Sarandi.
Adoção tardia deve ganhar campanha
Na última terça-feira (21), a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, anunciou que o governo deve lançar, até o segundo semestre, uma campanha que incentiva a adoção tardia, ou seja, de crianças mais velhas e adolescentes. Mais da metade das crianças e adolescentes disponíveis para adoção tem idade superior a oito anos, conforme dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
— Oitenta e oito por cento das crianças e adolescentes aptos à adoção possuem entre 11 e 17 anos de idade, enquanto 90% dos pretendentes desejam crianças de até seis. Outro aspecto é que muitas crianças e adolescentes integram grupos de irmãos, porém, o perfil pretendido pelos habilitados muitas vezes é de uma única criança ou adolescente — explica Nara Cristina Neumann Cano Saraiva, juíza-corregedora, titular da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude.
O grande desafio, diz Nara, é mudar o imaginário social, que acredita que o acolhimento de uma criança maior ou de um adolescente seja mais difícil do que o de um bebê:
— Essa é uma realidade que não se confirma como regra. Até porque, o bebê desejado é "uma caixinha de surpresa", que, assim como o adolescente, traz consigo particularidades que desconhecemos.
Projeto de gaúcha pode ser apresentado em Viena
Para discutir e promover o direito à convivência familiar, foi criado, em 2002, o Dia Nacional da Adoção, lembrado no dia 25 de maio. No Estado, diversas ações e projetos avalizados pela Coordenadoria da Infância e Juventude visam estimular esse debate e estimular o encontro entre pessoas habilitadas e crianças que aguardam um novo lar. Um desses projetos é o Missão Diversão, idealizado há três anos por Marcella Bertoluci, 18 anos, a partir de uma provocação feita pelo colégio Farroupilha, onde ela estudava à época.
— Basicamente, a gente reúne crianças órfãs de oito a 17 anos com casais habilitados à adoção. Então, eles já estão preparados para passar por essa experiência. Eles são selecionados pelo juizado e as crianças também. Temos essa parceria — explica a jovem.
E o resultado empolga: em quatro edições do evento, já foram concretizadas seis adoções. Além disso, o projeto está entre os 10 finalistas de uma competição internacional promovida pela Junior Achievement, ONG global que incentiva o empreendedorismo jovem. Representando o Estado e o país, Marcella está concorrendo à participação em um encontro promovido pela ONG para celebrar seus cem anos de existência.
— A ideia é conectar todas as Junior Achievement do mundo e os participantes do programa. Eles vão levar três finalistas para participar do encontro, em Viena, na Áustria, para expor seus projetos e como a ONG impactou nas suas vidas e, consequentemente, na comunidade.
Como votar no projeto de Marcella
- É possível votar até o dia 15 de junho, acessando este link
Adoção no Brasil
- Hoje, no Brasil, há 45.987 pessoas na fila para adoção e 9.521 crianças e adolescentes aptas a serem adotadas.
- Dessas, mais de 6 mil estão na faixa dos oito aos 17.
- No Rio Grande do Sul, são 5.472 pretendentes habilitados e 660 crianças e adolescentes aptos à adoção.