Laço de filiação criado pelo amor, não pelo sangue, a adoção é um ato que facilmente encontra respeito, apoio e incentivo. Mas quando se trata de literatura abordando a perspectiva dos filhos adotivos, a escassez de opções faz parecer que uma espécie de tabu cerca o assunto. Após não encontrar material disponível quando começou a pesquisar o tema para entender melhor sua própria condição, o jornalista de GauchaZH e escritor Alexandre Lucchese resolveu ele mesmo pesquisar e escrever a respeito do que sentem esses filhos do coração.
O primeiro resultado do projeto são as três edições do zine Vida de Adotivo, que Lucchese autografa na Feira do Livro, neste domingo (11), às 17h, no Espaço do Conhecimento da Petrobras. Cada exemplar traz o relato de um adotivo ouvido pelo autor. Eduardo descobriu que era adotado, mas seus pais morreram sem contar a ele; Wesley tem pais homoafetivos e faz parte de uma família interracial; Renata, ao lado da mãe adotiva, se tornou referência no apoio de pais de adoção.
Os entrevistados, que expressam três diferentes condições, compartilham reflexões, questionamentos e lacunas em sua história emocional – em comum aos três está o amor pelos pais adotivos e o receio ou a percepção de que pudessem magoá-los ao procurar as origens biológicas. É justamente a solidez do laço de afeto com os pais que pode levar os filhos a inibir a curiosidade sobre seu passado e reprimir sentimentos. Ao negar o que sentem, os filhos correm o risco de projetar as frustrações com os genitores em outras pessoas, como o temor do abandono nas relações afetivas, avalia o escritor.
Até os 30 anos, Lucchese não se questionava sobre o fato de ser adotado, até que falou a respeito em uma sessão de psicanálise e não parou mais. O zine, explica o autor, foi criado para levar aos leitores que passam pela mesma experiência “pílulas” que os façam sentir menos solitários.
– Encontrar a família consanguínea ou mesmo só mexer nisso, tentar saber um pouco mais, aumenta teu senso de realidade. Isso me ajudou muito a saber onde estou pisando, saber as minhas limitações e as minhas saídas – afirma, acrescentando que o projeto é fruto desse amadurecimento.
A execução dos exemplares foi toda artesanal e feita pelo próprio escritor na casa da irmã. Ensinado por um profissional de serigrafia, que têm familiar adotado e se sensibilizou com a iniciativa, Lucchese aprendeu a técnica e fez cada etapa do zine, com capas desenhadas pelo artista Felipe Constant. O envolvimento direto na produção reforça a ligação íntima do autor com o tema tratado.
– Por mais que não seja a minha história, eu me vejo neles – explica o jornalista.
O plano é que esses sejam apenas os três primeiros frutos do projeto, ao qual Lucchese pretende continuar dedicado, seja com zines com relatos de outros entrevistados, seja consolidando no futuro em livro. Todo o lucro obtido com a venda será doado a instituições que apoiam pais e filhos adotivos.