Aos 40 anos, Pedro Luis Machado da Silveira, 1m72cm, pesava 152 quilos, o que o classificava como um obeso mórbido. Foi o ápice acusado pela balança, resultado de uma rotina de descontrole com comida e bebida. Trabalhando com vendas, Silveira circulava muito na rua, fazendo pausas para lanches em lojas de conveniência, onde consumia salgados fritos e folhados – já montara o roteiro de seus estabelecimentos preferidos. Nos churrascos, deleitava-se com as carnes e abusava da cerveja. O organismo já acusava os danos: Silveira tinha dificuldades para caminhar e respirar, dormia mal, roncava, tinha apneia do sono (breves interrupções na respiração que comprometem a qualidade do repouso).
Era o momento de dar um basta, em nome da sobrevivência. Cogitou submeter-se a uma cirurgia bariátrica, mas, temeroso do procedimento, aceitou o incentivo da esposa para acompanhá-la a reuniões do grupo Vigilantes do Peso. Hoje, aos 46 anos, está com 87 quilos, uma redução de 65 em relação àquela silhueta que nem gosta de lembrar. Seu objetivo é chegar a 79 quilos.
Desde que começou a dieta, Silveira nunca mais ingeriu álcool. No programa do Vigilantes do Peso, baseado em pontos, a bebida não é proibida, mas sua pontuação é alta. Para se sentir mais satisfeito, Silveira preferiu “investir” os pontos que seriam desperdiçados com álcool em algo mais prazeroso, que contribuísse para sua saciedade. Deu certo.
– Não bebi mais nada, nem em comemoração de família em fim de ano. É só um brinde com espumante sem álcool, e olhe lá – orgulha-se.
Durante o processo de emagrecimento, Silveira trocou de profissão. Passou a estudar Gastronomia, formou-se gastrônomo e agora é sócio e chef de cozinha em uma empresa que promove eventos corporativos. Circula sem problemas pelas ocasiões festivas.
– Esses dias senti o cheiro da cerveja e me enjoou. Me livrei da ressaca, do cansaço, dos olhos pesados. Não sei mais o que é isso – relata. – Tomo Coca Zero. Coca Zero é zero ponto! – comemora, aos risos.
Somente faz mudança nesse padrão quem tem uma percepção de dano, que é muito pessoal. É importante avaliar: essa pessoa tem noção de que o uso dela está impróprio ou depende de que outro mostre? A mudança sempre será pessoal, ninguém muda para os outros, mas às vezes pode ser induzida por alguém que está perto.
FLAVIO PECHANSKY
Psiquiatra de adição
Psiquiatra de adição, Flavio Pechansky atenta para a importância da força de vontade: só muda o hábito quem percebe que está sendo prejudicado na balança representada pela equação custo versus benefício de determinado hábito. “Adoro beber, mas...”, e são inúmeros os motivos que podem completar esta frase. “Estou ficando barrigudo, preguiçoso, no dia seguinte não consigo me concentrar, durmo tarde, meu sono é ruim, tenho muito desejo e pouco sexo...”
– Somente faz mudança nesse padrão quem tem uma percepção de dano, que é muito pessoal. Posso estar abusando de álcool e sendo inconveniente em festas, mas estou achando que sou o máximo. É importante avaliar: essa pessoa tem noção de que o uso dela está impróprio ou depende de que outro mostre? A mudança sempre será pessoal, ninguém muda para os outros, mas às vezes pode ser induzida por alguém que está perto – comenta Pechansky, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Psiquiatria de Adição do HCPA.
O álcool é prazeroso para a maior parte das pessoas, admite o médico.
– Beber pelo gosto e beber pelo efeito não é a mesma coisa. Se você bebe só pelo efeito e não gosta do paladar, talvez seja mais fácil de parar porque você vai encontrar esse efeito de outra forma. Para quem gosta do paladar é complicado porque você está mexendo com dois centros: há o gosto na boca e a percepção de que aquilo tem um efeito agradável, como a desinibição – completa o psiquiatra.
Cansada dos apagões
Aos 20 anos, a estudante Gabriele Loureiro Bruschi considera já ter tido experiências suficientes com o álcool. Ainda no colégio, amargou manhãs de torpor mental e enjoos depois das festas da véspera. Por vezes, desligou o despertador e seguiu dormindo, chegando apenas para o segundo período de aulas.
– Ficava difícil me concentrar. Eu só estava ali para olhar. Pegava o caderno emprestado do colega e no outro dia devolvia – recorda a jovem.
Alguns casos foram mais sérios.
– Cheguei a “dar PT” (perda total), vomitar. Parecia que tinha caído um caminhão em cima de mim. Pensava: “Será que falei algo para um guri que não podia ter falado?”. Perguntava para as minhas amigas o que tinha feito, às vezes eu não lembrava. Às vezes ninguém lembrava – relata a universitária. – Moro com meus pais. Me davam uma bronca. Acabava de castigo, obviamente.
Gabriele não ingere bebida alcoólica há dois anos. O início da abstinência coincidiu com a entrada na faculdade, o período em que, ela mesmo destaca, “mais se bebe”. Estava cansada das ressacas e dos apagões de memória. Conscientizou-se: “Vou ouvir meus pais, vou ouvir eu mesma, meu corpo está dizendo uma coisa e quero outra”.
Hoje em dia, compra refrigerante ou água nas festas. Diz não ter vontade de tomar álcool, mesmo quando todos a sua volta estão com um copo ou garrafa na mão. Não escapa de comentários debochados: “Ai, você é ridícula!”.
– Não dou bola. Não tenho vontade. Me dá mais vontade de dançar e curtir a festa em vez de beber. Lembro de tudo o que fiz. Me orgulho por não beber mais, senti que mudou a minha vida. Consigo estudar mais, prestar mais atenção, estou mais focada, meus trabalhos estão saindo melhores – ela diz.
A nova postura casou com a oportunidade de fazer um trabalho voluntário. Vinculada ao Instituto Cuidar Jovem, Gabriele aborda a gurizada em locais de festas, distribui panfletos que alertam sobre o risco do álcool e de outras drogas, destaca a importância de beber com moderação e oferece um refrigerante ou uma barra de cereal para quem possa estar passando do limite.
– Estou ajudando as pessoas a se darem conta. Me sinto bem – afirma.
Já para a jornalista Caren Natália Souza da Silva, 39 anos, a grande influência para suspender o álcool veio do então namorado, hoje marido, o tecnólogo em automação industrial Ricardo Lupato, 37. Apreciadora de cerveja e vinho, Caren os consumia com moderação e certa frequência. Quando o casal se conheceu, em 2012, Ricardo já havia parado de beber por acreditar que o costume atrapalhava seu dia a dia. Como é comum no começo de relacionamentos, o casal se afastou um pouco do convívio dos amigos, o que fez com que Caren perdesse os parceiros de copo. Apesar de Ricardo não se importar com o consumo da companheira, a jornalista começou a achar que beber sozinha não tinha graça:
– Fui bebendo menos, menos... Às vezes, até esquentava a cerveja.
As ocasiões foram rareando, até que Caren parou de beber por completo. Não sentia mais vontade. Contribuiu para sua decisão a possibilidade de dar um bom exemplo à primogênita, Mariana, hoje com 19 anos, que estava em plena adolescência e começava a frequentar o circuito noturno.
Quando Caren engravidou do segundo filho, Vicente, agora com um ano e 10 meses, o novo hábito já estava consolidado. À gestação e ao período da amamentação – épocas em que as mães não devem tomar bebida alcoólica, que chega ao bebê no útero ou por meio do leite –, que ainda perdura, somou-se a vontade de adotar uma alimentação saudável, incrementada por produtos orgânicos. A jornalista reduziu ou até eliminou itens como doces e embutidos. Emagreceu, sentiu uma melhora na saúde e passou a se gostar mais fisicamente. Compartilha receitas no blog Cozinha Saudável, de sua autoria. Mesmo quando chegar o momento de interromper o aleitamento, Caren já sabe que não recuperará o hábito que aos poucos foi perdendo.
– Vejo como o álcool seria prejudicial nesse meu atual estilo de vida. Realmente, não sinto falta. Pareceria que eu estaria indo contra o que eu mesma penso. Não vou voltar – garante a jornalista.