Mari Castañeda tem 47 anos e é mãe do Miguel, 22. Durante a infância e a adolescência do filho, a professora e diretora do Departamento de Comunicação da Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos, seguiu uma rotina intensa: ao chegar em casa no fim do dia, dedicava-se ao jantar e a lição de casa de Miguel. À noite, antes de dormir, aproveitava para lavar a roupa, a louça, ler documentos de alunos, responder e-mails, pagar as contas. Seu único momento de calma no dia era quando acordava, as 5h, e podia dedicar os poucos minutos antes de o filho despertar para escrever, se exercitar, meditar e orar.
Autora do livro Mães na Academia, Mari é uma das principais convidadas do evento Maternidade e Ciência: Presente e Futuro nas Instituições de Pesquisa Brasileiras, que ocorre nos dias 10 e 11 de maio, em Porto Alegre, e pretende discutir o impacto da maternidade na carreira científica das mulheres.
— É uma luta real, pois as expectativas de estabilidade e promoção na academia costumam ser muito altas e exigem muito tempo de dedicação a projetos de pesquisa. Quando o seu tempo é limitado por causa da maternidade, e se a universidade não desenvolve nenhum tipo de sistema ou protocolo que ajude essas mães a ganharem tempo, a probabilidade dessas expectativas não serem satisfeitas são grandes e muitas mães acabam abandonando o ensino acadêmico — relata Mari.
O encontro é promovido pelo projeto Parent in Science (Pais na Ciência, em português), que tem como objetivo realizar um estudo aprofundado sobre o real impacto da maternidade na vida acadêmica e científica de professoras universitárias, visando embasar novas políticas de apoio à participação das mulheres na ciência. O evento será a oportunidade para divulgar junto à comunidade científica os dados de uma pesquisa desenvolvida pelo projeto, além de trazer pesquisadores com vasta experiência nas mais diversas abordagens do tópico maternidade e ciência. Será, ainda, a chance de discutir políticas de apoio à pesquisadoras mães, junto a membros administrativos de agências de fomento e de universidades. Leia abaixo entrevista com Mari Castañeda:
O tema da sua fala será "A poética das mães acadêmicas: promovendo uma cultura de cuidado e políticas equitativas para os pais na academia". O que você pode antecipar sobre isso?
O foco da palestra será como nós, mães acadêmicas, precisamos documentar nossas experiências para tornar visíveis os desafios e as oportunidades que a maternidade traz para a vida acadêmica. Também vamos discutir a atual situação da mulher na academia e quais são as melhores práticas para fomentar uma cultura de cuidado que possibilite a pais e mães terem uma vida familiar uma carreira acadêmica gratificantes.
Quantos filhos você tem? Como é a sua rotina?
Tenho um filho, Miguel, de 22 anos. Minha rotina mudou radicalmente desde que ele saiu de casa e foi para a faculdade. No entanto, antes disso, eu precisava acordar às 5h para ter algum tempo sozinha e poder preparar o dia antes do meu filho acordar e ir à escola. O dia era um turbilhão no trabalho, depois ainda tinha o jantar e o tema de casa. Normalmente, eu ia dormir às 23h. Meu filho ia para a cama entre 20h e 21h. Então, essas duas horas à noite eu usava para rapidamente fazer tarefas como lavar a roupa, a louça, ler documentos de alunos, responder e-mails, pagar contas. Era um malabarismo constante, mas o que me mantinha sã era ter aquele momento pela manhã só para mim. Durante essa uma hora, me comprometia a escrever, orar, meditar, me exercitar. Faz uma enorme diferença em minha vida e, mesmo com meu filho já fora de casa, sigo acordando cedo para ter esse tempo sozinha.
Qual é o impacto de ser mãe em sua vida acadêmica nos Estados Unidos? O que você sabe sobre outros países que você tenha visitado?
Ser pai coloca as coisas em perspectiva e ajuda a criar mais equilíbrio em nossas vidas, mesmo que também crie desequilíbrios e malabarismos – pelos quais eu sou agradecida, dada a forma que a vida acadêmica nos consome.
Nos EUA, o impacto de ser uma mãe acadêmica pode ser tanto um recurso positivo quanto um obstáculo desafiador. Em termos de recurso, é um aspecto que lembra a pessoa de não levar a vida universitária tão a sério. Para muitos professores, especialmente os que não têm filhos, o trabalho universitário pode consumir boa parte de seu tempo e ser seu único objetivo de vida. Acredito que, para muitos pais acadêmicos, o trabalho é muito importante, mas também sabemos que há mais na vida do que apenas pesquisar, publicar outro artigo ou conseguir outra bolsa. Ser pai coloca as coisas em perspectiva e ajuda a criar mais equilíbrio em nossas vidas, mesmo que também crie desequilíbrios e malabarismos – pelos quais eu sou agradecida, dada a forma que a vida acadêmica nos consome. Mas o conflito é real, já que as expectativas de performance e promoção geralmente são muito altas e exigem que você gaste muito tempo na sua pesquisa para alcançá-las. Se o seu tempo é limitado por causa da maternidade, as chances são grandes (se a universidade não desenvolveu nenhum tipo de sistema ou protocolo que dê às pessoas mais tempo) de que essas expectativas não sejam alcançadas e as mães desistam do ensino acadêmico. Por ter visitado outros países, sei que as expectativas relacionadas à pesquisa e à docência geralmente são tão altas como as dos EUA, mas situações com famílias grandes, as respostas da comunidade para o acolhimento das crianças e até uma abertura das universidades para receber crianças nos espaços acadêmicos fazem um mundo de diferença no sucesso de uma mamãe pesquisadora.
Pesquisadores brasileiros enfrentam um problema terrível, que é a falta de financiamento. A situação é pior para as mulheres e especialmente para as mães, que não conseguem manter o mesmo ritmo de produção depois de terem filhos. Se elas não publicarem estudos, não receberão dinheiro. Se elas não receberem dinheiro, não poderão fazer suas pesquisas. O que você acha disso? E qual é a situação nos EUA?
Nos EUA, há desafios similares. A falta de financiamento para cuidados infantis em particular torna difícil passar muito tempo no laboratório, no computador ou na realização de trabalho de campo. Em muitos casos, as mamães acadêmicas desenvolvem redes de apoio para ajudar uns aos outros durante períodos intensos de produção acadêmica. Houve um semestre, por exemplo, em que meu filho ia para a casa de um amigo depois da escola, dois dias por semana, porque eu precisava passar mais tempo no escritório, completando várias publicações. Depois disso, troquei de lugar com a mãe do amigo – que também era minha amiga na universidade –, para que ela pudesse fazer o mesmo e passei tempo com os meninos. Fiz isso várias vezes com várias mães acadêmicas, e essas são algumas das minhas melhores lembranças da infância do meu filho. Eu também precisava superar a culpa de ser uma mãe que também trabalhava em tempo integral e tinha que aceitar que "progresso, não perfeição" era todo o necessário na minha vida acadêmica e doméstica. Mas, de fato, a falta de financiamento certamente afeta as publicações e vice-versa, e assim o ciclo continua, o que torna a situação no Brasil muito semelhante aos EUA. Acredito que uma das principais maneiras de lidar com essa situação é também ver o longo prazo, ou seja, se as universidades mantiverem a liderança no longo prazo, para dar às mamães pesquisadoras o espaço e o tempo para conseguir financiamento ao longo de alguns anos, em vez de apenas um. O mesmo pode ser feito para publicações, porque a realidade é que as crianças crescem – e muitas vezes, quando são adolescentes, o cuidado com eles mudou radicalmente para muitos de nós – e poderemos encontrar mais tempo para nossas pesquisas. Estamos vendo isso nos EUA, embora neste momento, o tipo de flexibilidade de tempo e espaço que está sendo concedida tenha muito a ver com iniciativas individuais das universidades, ainda não é uma prática abrangente em todo o país.
Seu livro Mothers in Academia (Mães na Academia) oferece algumas soluções possíveis para integrar as mulheres pesquisadoras mais completamente na vida acadêmica. Você pode apontar algumas delas, por favor?
Eu tinha que aceitar que "progresso, não perfeição" era todo o necessário na minha vida acadêmica e doméstica.
Grupos de apoio a mães acadêmicas, flexibilidade nos horários de trabalho, permitir que as crianças entrem em salas de aula e reuniões de professores, permitir que as mães mudem seu foco de pesquisa para melhor acomodar suas experiências pessoais, oferecer serviços de cuidados às crianças em eventos universitários ou financiamento para que as pessoas possam viajar para conferências, tempo para concluir seus cursos sem penalizá-las – todas essas são soluções viáveis que integram melhor as mães pesquisadoras à vida acadêmica.
Quais são os maiores desafios para a igualdade de gênero na academia?
O maiores desafio para a igualdade de gênero na academia é a diferença salarial. Os homens ainda ganham mais do que as mulheres, e o impacto para as mães acadêmicas é ainda mais impressionante. Mas poucas pessoas realmente entendem ou sabem disso, então mais estudos estão sendo produzidos para destacar essa desigualdade. O objetivo é que, quanto mais isso seja reconhecido, mais informados serão os presidentes e decanos dos departamentos para oferecer salários justos a todas as novas contratadas, independentemente de sexo ou status parental. A diferença salarial é o que mais prejudica as mulheres e as mães, especialmente a longo prazo.
Serviço
O que: Simpósio Maternidade e Ciência: Presente e Futuro nas Instituições de Pesquisa Brasileiras
Quando: 10 e 11 de maio, das 9h às 18h
Onde: auditório térreo do Prédio 50, na PUCRS (Avenida Ipiranga, 6.681, Partenon, Porto Alegre)
Quanto: R$ 50
Inscrições: as inscrições já estão encerradas, mas quem tiver interesse em participar deve entrar em contato pelo e-mail parentinscience@gmail.com para consultar a disponibilidade de vagas.
Informações e programação completa: parentinscience.com
Para auxiliar os pais, nos dois dias do simpósio serão oferecidos serviços de recreação para crianças a partir de dois anos. É preciso preencher um questionário no site do evento.
O evento será transmitido ao vivo pelo canal do Parent in Science no YouTube.