Claudia Chiquitelli
Especial
Pneu sobressalente, o estepe, é para substituir um equipamento que tenha apresentado problema e não deve comprometer a segurança do veículo. Todo o automóvel feito no Brasil sai da concessionária com um deles. Até aí, tudo bem. O que alguns consumidores reclamam é que muitos carros vêm com o estepe mais fino que o original e que permite ao motorista chegar somente até o borracheiro mais próximo, rodando no máximo a 80km/h.
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O pneu de medida padrão é largo e foi desenvolvido para garantir estabilidade no seco e no molhado por milhares de quilômetros. Há alguns anos, o estepe era fabricado igual aos pneus rodantes – inclusive, muitas fábricas orientavam os condutores a fazerem os rodízios de pneus usando os cinco do veículo. Mas, conforme a indústria, em nome da "economia" de valor e de espaço, surgiram estepes compactos, que reduzem o peso do conjunto sobressalente, pois têm dimensões menores e também são menos visados por ladrões.
O contador aposentado Pedro Cesa diz que considera "ridícula" a adoção desse equipamento nos carros novos por algumas montadoras brasileiras e estrangeiras e que já desistiu de comprar veículos por causa desses estepes.
– Nos manuais de veículos de até quatro anos atrás, lia-se que se houvesse a necessidade de troca de pneus, no caso estepe, este deveria ser igual ao pneu e roda dos demais, para segurança do condutor – diz Cesa, que optou por adquirir um Renault Duster, equipado com estepe igual aos pneus rodantes.
O receio dele é ter um veículo com esse tipo de pneu provisório e precisar colocá-lo no lugar de um original durante uma viagem à noite e sem acesso rápido a uma mecânica. Ele assinala que essa situação geraria muita insegurança.
– Por duas vezes pensei em trocar o Duster e, quando soube que o estepe do veículo que tinha escolhido era "provisório", esmoreci bastante – afirma.
Cesa lembra alguns veículos que têm equipamentos mais finos que os pneus originais: GM Cruze, Honda HR-V e Civic e alguns modelos de BMW. Mesmo carros premium, como o Volvo XC 60, com preço acima de R$ 200 mil, adotam a tática. Curiosamente, os carros brasileiros nos quais o estepe fica aparente, na traseira, usam pneus iguais aos de rodagem.
O Código Nacional de Trânsito (Contran) determina o estepe como item obrigatório, porém não cita o tamanho do equipamento. Já os especialistas em segurança veicular explicam que a largura pode ser menor, mas o perfil (altura) precisa ser igual ao dos originais para o carro não ficar descompensado.
O chefe da Divisão de Registro de Veículos do Detran-RS, Túlio Felipe Verdi Filho, entende que o uso desse equipamento desigual não traz riscos à segurança, desde que o condutor atente para as orientações dos fabricantes.
– As montadoras utilizam alta tecnologia na produção de veículos, assim como as fabricantes de pneus, e estão autorizadas a colocar esse tipo de componente em automóveis produzidos para o mercado consumidor. Seria de estranhar muito que o componente não fosse seguro – enfatiza o engenheiro mecânico.
Dinheiro, sempre ele
As montadoras alegam que os carros ficam mais leve e ganham mais espaço no porta-malas com estepes menores. Mas o que muda mesmo é o dinheiro investido. Um pneu 125/70, para aro de 15 polegadas, é encontrado em lojas do ramo por R$ 260. Uma unidade mais grossa (225/70) pode ser até R$ 200 mais caro. Parece pouco, mas multiplique isso por um modelo cuja produção anual supera 50 mil unidades, como o Toyota Corolla, e o lucro chega à casa de dezena de milhões de reais.
Para o Procon-RS, o consumidor tem que ser bem informado sobre o fato de o veículo que está adquirindo ter um estepe mais fino ou não possuir esse equipamento.
– A informação tem que ter no manual do proprietário, de forma clara e destacada. O consumidor precisa ser informado na hora da venda sobre qualquer alteração que vá reduzir a utilização do produto. Se ele não for informado, o fato é considerado uma prática abusiva, pois está sendo ferido um direito básico de informação, supremo dentro do Código de Defesa do Consumidor – argumenta a diretora-executiva do Procon-RS, Sophia Martini Vial.
A representante da instituiçao conta que residiu na Itália e assinala que a União Europeia não obriga os veículos a ter estepe, pois a população está acostumada a carros menores e o equipamento ocupa espaço. Além disso, o peso adicional aumenta o consumo e a emissão de gás carbônico.
Projeto na Câmara
O assunto já chegou à Câmara dos Deputados, em Brasília, por meio do Projeto de Lei 82/2015, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (RS). Se aprovado, obrigará a indústria a fornecer rodas e pneus sobressalentes em idênticas dimensões das demais rodas e pneus que equipam os veículos novos, nacionais e importados, comercializados no país. A chefia de gabinete do parlamentar informa que, como ainda não houve a definição dos membros das comissões para as quais o PL foi enviado, não há previsão de votação da matéria.
De acordo com o projeto, caso as empresas descumpram a legislação, estarão sujeitas à multa de 10% do valor do veículo, que será paga ao consumidor no prazo mínimo de 30 dias a partir da data em que este for notificado. Além disso, o consumidor poderá exigir a substituição do equipamento por um de idênticas dimensões às das demais rodas e pneus do automóvel.
Para o deputado, oferecer estepes diferentes dos pneus rodantes, além de suscitar dúvidas relativas à segurança do veículo, causará prejuízos ao consumidor que necessitar substituir uma roda ou pneu com defeito pelo estepe. No projeto, ele explica que "havendo avaria de uma roda ou de pneu que já está em uso, o que é bem frequente – a considerar o estado de conservação de nossas vias urbanas e estradas de rodagem –, é natural que o consumidor, em vez de adquirir um bem novo, prefira fazer a troca pela roda ou pneu sobressalente que já possui, sem custo adicional".