Se a conversa descontraída e as histórias bem contadas já eram esperadas, as opiniões fortes e os conceitos de futebol fundamentados complementaram a entrevista de mais de uma hora com o técnico e ex-lateral Cláudio Duarte. Atração do programa Cardápio do Zé do mês de janeiro no Gaúcha Sports Bar, Claudião falou de sua história como profissional dentro e fora do campo e analisou a realidade do futebol brasileiro, não esquecendo de citar, bem ao seu estilo, fatos pitorescos que marcaram sua trajetória.
O relato de Cláudio Duarte passa por um jogador que era líder de um grupo campeão do Inter nos anos de 1970 e que abandonou a carreira por um problema de joelho aos 26 anos, às vésperas de ser convocado para a Seleção Brasileira, podendo disputar a Copa do Mundo de 1978.
Um ano depois, ele já era treinador de seus próprios companheiros, fazendo uma campanha com titulo gaúcho e terceiro lugar no Brasileirão. Esta rapidez com que as coisas aconteceram, o fez superar a decepção pelo saída precoce dos campos:
— Claro que me frustrei quando, aos 26 anos, me entregaram um papel dizendo que eu não ia mais jogar. Tive momentos ruins, mas em seguida estava numa outra atividade muito importante e inesperada. Eu aprendi a ser técnico na beira do campo.
Este início inesperado em 1978 já fez Claudio cunhar uma expressão que se tornou famosa, o nome de seu esquema tático:
— Os repórteres me abordaram na boca do túnel e me perguntaram "qual a tática" que eu usaria em minha estreia contra o Maringá. Eu respondi: "Pega-ratão". Me lembrei que, quando garoto, eu caçava ratão-do-banhado lá em Charqueadas e a gente fazia uma armadilha. Eu ia fazer uma armadilha para o adversário. Deu certo. Ganhamos o jogo.
Pelo Inter, Cláudio Duarte, além de bicampeão brasileiro como jogador, foi oito vezes consecutivas campeão gaúcho como atleta e outras quatro como treinador. No Grêmio, porém, em 1989, além de um título gaúcho, conquistou sua taça mais importante como treinador ao ser campeão invicto da primeira Copa do Brasil:
— Naquele tempo não era comum alguém tão identificado com um clube, trabalhar no outro da dupla Gre-Nal. Com todo o respeito que o Grêmio merecia, fui para lá, fizemos um trabalho muito bonito, mas não evitou que num determinado momento, após uma derrota, me chamassem de "colorado". Fiquei magoado, mas logo depois esqueci.
No Fluminense, em 1996, Cláudio Duarte treinou Renato Portaluppi que, curiosamente, assumiu interinamente a vaga de treinador quando o técnico foi demitido. A admiração pelo comandante gremista é muito grande:
— O Renato é um grande gestor de pessoas, uma pessoa boníssima e cativante e que faz disso base para seu trabalho. Suas declarações que parecem arrogantes são parte de um personagem que ele utiliza para se proteger e proteger seu grupo. Todos nós, técnicos, fazemos algo assim. Além de tudo, ele é tímido.
Sem conhecer pessoalmente o técnico colorado Eduardo Coudet, Cláudio Duarte saudou o fato dos estrangeiros estarem fortemente no mercado brasileiro.
— Nós adoramos quando os brasileiros vão treinar no Exterior. Eu estive no mundo árabe e foi muito bom. Não temos o direito de querer que os de fora não trabalhem aqui. Eles trazem coisas novas, diferentes e necessárias — comentou.
Entre histórias do futebol, Claudião contou da participação em 1976 da maior goleada da história do Gauchão, a vitória do Inter por 14 a 0 contra o Ferro Carril de Uruguaiana.
— O Balvé (Frederico Arnaldo Balvé - ex-presidente do Inter) se irritou com o presidente do Ferro Carril e nos prometeu bicho por gol marcado. Não paramos de marcar e o goleiro deles foi o melhor em campo. O Balvé queria nos matar e dizia para parar pois iríamos "falir o Inter" — sorriu Claudião.
Ainda nos tempos de atleta colorado, Cláudio Duarte conheceu, morou junto e jogou com aquele que foi colega e ídolo, Paulo César Carpegiani:
— O Paulo César é o maior jogador da história do Inter e talvez do Rio Grande do Sul. Meu amigo Paulo Roberto Falcão não fica bravo quando digo isto pois pensa parecido. Carpegiani era completo como poucos são. Ele foi modesto quando aqui no Cardápio do Zé disse que o D'Alessandro era o maior "10" da história do Inter. Foi ele.
Num mundo de muitas discussões táticas e da busca pela intensidade, Cláudio Duarte preconiza a multiplicidade de valências do jogador.
— Não se é mais craque apenas "jogando bola". Agora tem de ser "jogador de futebol". Isto é mais complexo. Envolve o talento, é claro, mas com a entrega com compreensão de que se joga um esporte coletivo. Os brasileiros têm alguma dificuldade em compreender isto.
Veja a íntegra da entrevista de Cláudio Duarte a José Alberto Andrade no Cardápio do Zé: