Um urso e um gigante se encontram no meio de uma ponte estreita. Só um consegue passar, mas ambos se recusam a recuar para dar preferência ao outro. Os bons livros infantis têm várias camadas de compreensão. Muitas vezes dizem, de forma simples e direta, o que os autores focados no público adulto adoram complicar. A Ponte, dos austríacos Heinz Janish e Helga Bansh, pode ser lido em menos de cinco minutos. São 30 páginas ilustradas, com apenas algumas linhas de texto. Apesar da austeridade, é absolutamente instigante e profundo.
Voltemos ao ponto em que o urso e o gigante toparam um com o outro. O urso rugiu. O gigante fez cara feia. Recuar, jamais. Ficaram os dois ali, até que resolveram conversar. Chegaram à conclusão de que, com um abraço e um giro, poderiam passar, um segurando o outro. Não porque se amavam, ou porque mudariam de ideia sobre a vida, ou porque passariam a ser melhores amigos. Se abraçaram porque, logo ali embaixo, havia um abismo. E com esse gesto, conseguiram vencer o perigo maior. Cada um seguiu seu caminho. O gigante não virou urso nem o urso virou gigante. Cooperar é uma decisão racional, que sempre gera mais valor do que o conflito.
Não é conversa fiada nem “bom-mocismo”. É uma questão objetiva. É só fazer as contas. A não ser que a imbecilidade seja tanta que a recompensa deixe de ser a superação do abismo e passe a ser empurrar o outro em direção a ele. O outro que nem sempre é inimigo. Apenas caminha em um sentido diferente.
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Mudando de assunto, outro dia, saindo de Porto Alegre com meu carro, passei pelo Laçador. Perdemos uma boa chance quando a cidade decidiu não mudá-lo para a beira do Guaíba, depois da reforma promovida pelo Sinduscon. Seria um golaço. Os dois maiores símbolos da cidade juntos, instagramáveis para o Brasil e para o mundo. Até aí, tudo bem. Há outros argumentos que foram levados em conta. Mas vi, agora, que instalaram uma espécie de quiosque no lugar. Buscar parcerias com a iniciativa privada é uma decisão inteligente e necessária. Só que a novidade, pasmem, tapou a estátua para quem se aproxima por um determinado ângulo. Pior: a banca tem, na parte de trás, uma tela de LED que compete com a obra de Antônio Caringi. Inacreditável. O Laçador já perdeu parte da sua imponência ao ser deslocado para uma lateral da via em 2007. Agora, é ofuscado por um telão. Qual será a próxima ideia genial?