Depois de comer crepioca e ameixa, bem madura e doce, Maya olhava fixamente para a minha tigela de granola, incrementada com sementes e frutas secas extras. Eram sete e pouco da manhã e cumpríamos o nosso ritual da primeira refeição do dia. De repente, a Maya estendeu o bracinho e tentou tirar a colher da minha mão. Queria explorar uma nova possibilidade. Deixei. Ela agarrou o talher com a mãozinha e, ainda sem a firmeza dos adultos, levou-o à tigela. Pescou três pedacinhos de granola e os transportou em direção a minha boca. Fiquei surpreso. E emocionado. Talvez para a Maya fosse só uma brincadeira, mas, para mim, ser alimentado pela minha filha, tão pequena, acionou algo diferente.
Primeiro, pensei em “inversão de papéis”. Abandonei a ideia quando percebi que, de fato, minha emoção veio da sensação de “ser cuidado” quando isso nem me passava pela cabeça. Estranho como episódios aparentemente banais podem detonar movimentos maiores. Na verdade, são a gota que faz transbordar. Nada é pequeno ou grande fora de um contexto. Passei o resto do dia, e o outro, impactado. Tenho duas outras filhas maiores, em fases diferentes de vida. Vivi com elas momentos intensos e lindos. Ainda vivo. Mesmo assim, na terceira, muita coisa parece – e é – pela primeira vez. Mudamos sem parar.
Fiquei buscando algo indefinido, até que encontrei. Uma filha dando comida na boca de um pai pela primeira vez não é uma inversão de papéis, como me pareceu no primeiro momento. É a extensão de um único papel universal, que se aprende pelo exemplo: o papel de cuidar. Pais de filhos, filhos de pais, avós de netos, netos de avós, todos de todos.
Cuidar é uma recompensa em si. E quando a gente não espera nada em troca, além da imensa alegria de poder fazer pelos outros, é que a recompensa vem. Fiquei com a nítida impressão de que a Maya entendeu por que os olhos do papai ficaram marejados. Mesmo que não fale ainda, fez uma carinha terna, que expressava alegria e orgulho. Pelo menos, foi assim que li.
Depois do café da manhã, era hora do passeio. Minha filha olhou para mim e apontou para o carrinho. Influenciado pelo que acabara de ocorrer, dei uma gargalhada, imaginando o que, possivelmente, ela nem tentara expressar. E pensei: “Calma, Maya, calma. Também não precisa exagerar”. E fomos para a pracinha. Papai empurrando o carrinho e a filha gritando “A! A! A!” a cada au-au que passava.