Segunda-feira passada, tarde fria e ensolarada, esquina da Nilópolis com a Carazinho, em Porto Alegre. Eu voltava caminhando da academia para casa. Enquanto cruzava a rua, ouvi um chamado afoito, quase impositivo, na minha direção. Veio de alguém na calçada, ao lado da sinaleira. De canto de olho, vi que o homem carregava algo na mão. Uma sacola ou alguma coisa parecida: “SENHOR! SENHOR!”, berrou, a plenos pulmões, querendo chamar a atenção. Me assustei. Pressenti, por instinto, algo ruim.
Resolvi fazer de conta que não era comigo. Acelerei o passo para sair dali o mais rapidamente possível. Outro berro, mais alto ainda: “SENHOR!!! MEU SENHOR”. Eu não tinha para onde fugir. De um lado, o tapume de uma obra, do outro, o trânsito intenso de carros. O homem saiu correndo na minha direção, com um volume embaixo do braço que eu não conseguia identificar. Me contraí para, eventualmente, reagir.
Foi quando ele passou zunindo por mim e alcançou um pedestre grisalho, alguns metros na minha frente. Tocou no ombro dele e, esbaforido, anunciou: “O senhor não pegou seu troco. O senhor me deu uma nota de 50 e eu tenho que lhe devolver 30”. Depositou as caixas envoltas em plástico que carregava no chão. Estendeu uma cédula de 20 e outra de 10 ao interlocutor.
Senti alívio e vergonha. Vergonha pelo julgamento sumário e injusto de uma situação que não conseguira avaliar corretamente. Me absolvi depois. Traumas de cidade grande, quem não os tem? Alívio porque acontecia ali algo simples e exemplar: o vendedor de moranguinhos da sinaleira, berrando e correndo, para fazer a coisa certa. Poderia ter embolsado a grana. Quem sabe até perdeu algum novo freguês enquanto investia energia e tempo para corrigir um descuido alheio.
Vi sua fisionomia de orgulho quando, finalmente, conseguiu devolver o troco, casualmente a um conhecido meu – um ex-servidor do Tribunal Regional Eleitoral, aposentado há vários anos e que eu não encontrava havia décadas, literalmente.
Caminhamos lado a lado por algumas quadras, lembrando nomes e momentos: o congresso da Justiça Eleitoral em Blumenau, os desembargadores Melíbio e Vellinho, o Josemar e o Antônio Augusto. Tranquilos e relaxados. Iluminados pela luz serena do inverno e pela civilidade do gesto que proporcionou o nosso reencontro.