Bolero: A Melodia Eterna (Boléro, 2024) é uma das principais atrações do 15º Festival Varilux de Cinema Francês, que vai exibir em Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas e Rio Grande, até o dia 20, 19 filmes inéditos e o clássico O Sol por Testemunha (1960), em homenagem ao ator Alain Delon, morto em agosto, aos 88 anos. Trata-se de uma cinebiografia do compositor e pianista Maurice Ravel (1875-1937), com foco na sua obra mais célebre — consta que a cada 15 minutos alguém no mundo está tocando o Bolero. A diretora é Anne Fontaine, a mesma de Coco Antes de Chanel (2009).
Na efervescente Paris de 1928, a dançarina Ida Rubinstein (papel de Jeanne Balibar) encomenda a Ravel (Raphaël Personnaz) a música para seu próximo balé. Enfrentando uma crise de inspiração, o compositor revisita os capítulos de sua vida — os desafios frustrados de seus primeiros anos, as marcas da Primeira Guerra Mundial, o amor impossível por sua musa Misia Sert (Doria Tillier) — e finalmente decide se dedicar à criação de uma obra-prima, o Bolero, uma melodia que se repete ao longo de pelo menos 15 minutos, com um novo instrumento assumindo a parte do solo a cada repetição.
Os créditos de abertura já valem a ida ao cinema: uma colagem com trechos de versões orquestrais, jazzísticas, africanas, em ritmo de street dance e até cantadas do Bolero, atestando sua universalidade. A sequência final, por sua vez, realça o caráter eterno e atemporal da composição de Ravel.
O filme tem mais cinco sessões em Porto Alegre: na Cinemateca Paulo Amorim, dia 14, às 17h, e dia 21, às 19h; no Cineflix do Shopping Total, dia 14, às 20h05min; e no Cinesystem do Bourbon Country, dia 17, às 16h, e dia 19, às 14h. Para conferir datas, horários e endereços em Caxias, Pelotas e Rio Grande, consulte o site oficial, variluxcinefrances.com/2004.
"Minhas pernas tremiam", diz ator de "Bolero"
Na quarta-feira passada (6), Raphaël Personnaz, protagonista do filme Bolero, esteve no hotel Fairmont Copacabana, no Rio, para uma rodada de entrevistas de divulgação do Festival Varilux de Cinema Francês. Confira trechos da conversa de Zero Hora com o ator francês de 43 anos, visto em Uma Nova Amiga (2014), Persona no Grata (2019) e na série L'Opéra: Nos Bastidores do Balé (2021-2022).
A primeira pergunta seria para a diretor Anne Fontaine, mas eu gostaria que você pudesse responder também. Por que fazer um filme sobre Maurice Ravel e o Bolero?
Eu vou falar em seu nome, porque ela me explicou. Seu pai era organista em uma igreja em Lisboa, e sua mãe fazia vitrais. Eles se conheceram em uma igreja. Anne disse que ficou entorpecida de música clássica toda a sua infância. Nos momentos em que seu pai estava deprimido, a única música de que ele gostava era o Bolero. Então, para Anne, o Bolero era um lembrança de infância que, no começo, não era agradável, mas ela se interessou, muito mais tarde, pela vida de Ravel, não por causa da música, mas porque a Anne sempre se interessa por personagens que têm uma dimensão misteriosa.
Seu personagem vive entre a frustração e a relutância, tanto no campo profissional quanto no terreno amoroso. O artista precisa sempre sofrer para dar vida a uma obra?
Eu não sou dessa escola. Há, obviamente, momentos de dúvidas, de dificuldades. Mas, Ravel, mesmo quando está profundamente deprimido, ele tenta não deixar muito isso aparecer aos olhos do mundo. Ele precisa desses momentos, ele escolhe a solidão para poder realmente criar. Mas, ao mesmo tempo, há sempre um apetite, uma curiosidade pelas coisas e pela vida, características que, para mim, não indicam sofrimento. Por outro lado, ele pode passar meses, até anos, sem escrever nada. Quando a sua mãe morreu, por exemplo, Ravel não escreveu por dois anos. Com o Bolero, ele tinha uma limitação de tempo. O prazo era de três meses. Para efeito de comparação, há uma obra que Ravel levou 11 anos para compor. Mas essa urgência para escrever o Bolero talvez tenha permitido a Ravel ser menos controlado e, assim, ser mais sensual, mais sexual.
Parece que o roteiro do filme, de certa forma, reflete a própria estrutura do Bolero, porque o filme vai e volta no tempo. Há uma identificação com a ideia do Bolero, que é sempre um recomeço, aquele um minuto de uma melodia que vai recomeçando sucessivamente, incorporando novos instrumentos.
Eu acho que o roteiro talvez não mostrasse isso. Mas existe uma segunda escrita do filme, que é a montagem. E, de fato, isso põe o público na atmosfera do Bolero. Há uma tensão em todo o filme sobre esse personagem, sobre em qual momento ele finalmente vai se revelar, mostrar um pouco dele, até chegar a explosão final.
Pois é, na cena final, parece que Ravel finalmente aceita que compôs uma obra-prima. Porque, ao longo do filme, o protagonista trata o Bolero com um certo distanciamento, por ser uma obra de encomenda. No epílogo, Ravel reconhece a eternidade de sua composição, e sua atemporalidade é realçada pela presença de um bailarino contemporâneo. Qual foi a emoção de ser o maestro naquela cena?
O bailarino chama-se François Alu, é uma estrela da Ópera de Paris. A Anne teve a ideia de chamá-lo pouco tempo antes da cena. Sobre a condução da orquestra, é um lembrança que eu vou guardar por toda a minha vida. É uma sequência para a qual a gente se prepara durante dias e dias, porque não se pode improvisar. Eu trabalhava com um maestro, mas em uma sala pequena, e de repente você se encontra em um estúdio enorme, um fundo branco por todo o lugar, com 80 instrumentistas em frente de você, ao redor de você. A sensação física é tão forte que, na primeira tomada, por exemplo, eu me lembro que as pernas tremiam. Bem que o maestro me avisou, há um efeito físico muito forte. Isso é muito interessante porque, para muitas pessoas, a música clássica é algo bastante intelectual, mas na verdade o Bolero fala com o corpo inteiro.
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