A melhor comédia romântica do ano é um pequeno grande filme que terá uma sessão gratuita neste domingo (19), às 19h, na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana: O Dia que te Conheci (2023), escrito, editado e dirigido por André Novais Oliveira, que vai participar de debate logo na sequência. A exibição integra a programação do Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre, o Frapa, e senhas devem ser retiradas uma hora antes do início.
Trata-se do mais novo título da produtora mineira Filmes de Plástico, responsável pelo curta Nada (2017), de Gabriel Martins, exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, e por longas como Temporada (2018), do próprio Oliveira, ganhador de cinco prêmios no Festival de Brasília — melhor filme, atriz (Grace Passô), ator coadjuvante (Russão), fotografia e direção de arte —, e Marte Um (2022), também de Martins, que foi lançado no Festival de Sundance, nos EUA, recebeu quatro Kikitos no Festival de Gramado (roteiro, trilha musical, Prêmio Especial do Júri e júri popular) e foi o concorrente do Brasil na briga por uma vaga no Oscar internacional de 2023. O Dia que te Conheci também coleciona troféus: em Brasília, levou os Candangos de melhor ator (Renato Novaes), atriz (Grace Passô) e roteiro e o Prêmio Zózimo Bulbul.
O Dia que te Conheci é um filme pequeno porque dura apenas 70 minutos, custou uma ninharia, foi rodado em uma semana e meia, se passa ao longo de um único dia e não tem nem cinco atores no elenco. Os dois personagens principais são interpretados por Renato Novaes, que é irmão do diretor e também atuou em Temporada, e Grace Passô. Aliás, um hábito de Oliveira é escalar seus parentes: os pais protagonizaram o longa Ela Volta na Quinta (2014) e o curta Quintal (2015).
Renato faz o papel de Zeca, que, na primeira cena, pede a seu colega de casa para acordá-lo cedo no dia seguinte.
— Se eu disser que não precisa mais, é mentira de quem tá com sono — avisa.
Claro que Zeca não sai da cama e chega atrasado à escola onde trabalha como bibliotecário, após uma demorada viagem de ônibus até uma cidade da região metropolitana de Belo Horizonte.
Grace encarna Luísa, uma funcionária da escola que ele não conhecia e que foi encarregada de dar a má notícia: Zeca está demitido. A situação não é amigável, mas pinta uma conexão entre os dois, ambos negros, ambos periféricos, ambos com corpos fora do padrão.
Aí está uma das virtudes que transformam O Dia que te Conheci em um grande filme: o retrato da vida real como ela é, ou seja: nada hollywoodiana. É encantadora a maneira como André Novais Oliveira registra o cotidiano, com planos longos, deixando o corriqueiro acontecer sem pressa, mas também sem enrolação. Cada diálogo está ali para desenhar a personalidade dos personagens e conferir autenticidade às interpretações naturalistas. O silêncio também diz muito, traduzindo aquele estranhamento familiar dos encontros por acaso e convidando à imersão e à imaginação.
— Gosto muito de retratar o cotidiano de uma forma mais direta — disse o diretor durante debate no Festival do Rio de 2023, citando como influências os estilos cinematográficos do sul-coreano Hong Sang-soo, vencedor do Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim por A Mulher que Fugiu (2021), e do iraniano Abbas Kiarostami, sobretudo em Um Alguém Apaixonado (2012). — Esse filme me serviu muito de referência, principalmente pela estrutura da narrativa que é, digamos, meio torta.
A jornada de aproximação de Zeca e Luísa é temperada pelo humor, mas sem exageros. E a leveza proposta pelo cineasta mineiro não impede a abordagem de assuntos sérios, como o racismo e a depressão. Mas, de novo, sem flertar com a denúncia ou o dramalhão.
Outro trunfo é o ecletismo musical. O diretor e seu irmão são fãs de rap, por isso usaram uma canção de Djonga nos créditos de abertura, escalaram o rapper mineiro FBC para uma participação especial e inseriram citações — por exemplo, a camisa de Zeca traz estampado o rosto do carioca BK. Mas a trilha também tem obras orquestradas, de autoria do compositor negro estadunidense William Grant Still (1895-1978). No mesmo bate-papo do Festival do Rio, André Novais Oliveira comentou:
— Como nos meus outros trabalhos, a trilha usa músicas que aparentemente não teriam a ver com o filme, uma tentativa de causar uma certa estranheza mesmo.
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