A sinopse de Três Estranhos Idênticos (Three Identical Strangers, 2018), documentário que recentemente reapareceu no catálogo da Netflix, já é por si só fascinante: separados na maternidade, em 1961, trigêmeos se reencontram 19 anos depois. Parece um conto de fadas — e é, pois a história dos carismáticos irmãos estadunidenses David Kellman, Edward Galland e Robert Shafran também está marcada pelo sinistro, pelo monstruoso, pelo macabro.
Com roteiro de Grace Hughes-Hallett e direção de Tim Wardle — realizador de One Killer Punch (2016), sobre três brigas que terminaram em morte por causa de um único soco —, o filme recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Sundance e ganhou o troféu da Associação dos Diretores dos EUA na categoria de documentário.
A trajetória de David, Edward e Robert foi bastante documentada pela imprensa estadunidense, mas convém avisar: quanto menos você souber do caso, mais vai ficar espantado. Portanto, neste texto haverá, quando for a hora, alerta de spoilers. Nada exagerados, nada que, espero, diminua o interesse do leitor em assistir à obra (pelo contrário, torço).
O início do documentário reconstitui, por meio de depoimentos e dramatizações, o momento em que Bobby Shafran, aos 19 anos, descobriu que tinha um sósia: ao ingressar como calouro em uma universidade comunitária do Estado de Nova York, foi confundido com um ex-aluno, Eddy Galland. Na companhia de um colega, o primeiro foi conhecer o segundo e, sabendo que haviam sido adotados, os dois rapidamente se deram conta de que eram gêmeos.
O episódio despertou o interesse de jornalistas, o que acabou revelando uma história que foi de "incrível para inacreditável", conforme definiu Howard Schneider, ex-editor do Newsday. Havia um terceiro irmão: David Kellman.
Cada um crescera em uma família distinta. Bobby tinha como pais adotivos um médico e uma advogada (representava a elite); Eddy, filho de um professor e de uma dona de casa, podia ser classificado como da classe média; e o lar de David era de trabalhadores. Apesar das criações diferentes, os três logo encontraram semelhanças que iam muito além do aspecto físico. Uma tia de David comparou a postura dos trigêmeos no mágico primeiro encontro ao de filhotes de cachorro: "Eles rolavam no chão um com os outros".
— Eu não sei se isso vai ser grande ou vai ser terrível — disse Eddy.
Em uma época na qual nem se usava esse termo, Bobby, Eddy e David viralizaram. Tornaram-se presenças assíduas em uma série de programas de TV, aos quais volta e meia apareciam usando o mesmo figurino — inclusive para pregar peças nos apresentadores. Mudaram-se para Nova York, receberam status de celebridade em boates como a Studio 54, fizeram ponta em um filme de Madonna (Procura-se Susan Desesperadamente, de 1985), abriram um restaurante chamado Triplets Roumanian Steakhouse.
Viviam um sonho. A parte "grande" da frase de Eddy que logo ganhou contornos de profecia.
E aqui está o alerta de — pequenos — spoilers para quem desconhece o caso dos trigêmeos.
Ao procurarem as semelhanças entre si, os três não enxergaram as diferenças. E, ao procurarem sua mãe biológica, os três enxergaram um passado triste, sombrio e revoltante.
A partir desse ponto, Três Estranhos Idênticos aproxima-se de outros documentários que revelam medonhos segredos familiares, como os impactantes Na Captura dos Friedmans (2003), que disputou o Oscar, e Diga Quem Sou (2019), que também é sobre gêmeos. O filme começa a explicar por que Bobby, David e Eddy foram separados após o parto e por que foram parar em seus respectivos lares. Joga luz sobre as terríveis violações da ética que já foram cometidas em nome da ciência e discute uma questão fundamental no estudo do comportamento humano: o embate entre natureza e criação (nature versus nurture na célebre aliteração em inglês), entre o inato e o adquirido. Qual é o peso da genética e qual é o peso do ambiente? O filme não se atreve a emitir um veredicto, mas os traumatizados entrevistados são categóricos ao responder.