Vai ao ar nesta sexta-feira (19), às 23h, o primeiro dos 10 episódios de Centro Liberdade, série que foi gravada nos bairros Bom Jesus, Cruzeiro do Sul e Partenon e retrata as relações de poder na periferia de Porto Alegre. Bruno Carvalho, Cleverton Borges e Livia Ruas assinam o roteiro e a direção, com produção da Prana Filmes. A exibição será pela TV Brasil, e no Rio Grande do Sul também é possível assistir pela TVE.
— A trajetória desta série é bem longa — escreveu, no Facebook, o cineasta Carlos Gerbase, sócio-diretor da Prana Filmes ao lado de Luciana Tomasi e coordenador de direção de Centro Liberdade. — O projeto concorreu num edital federal destinado à produção audiovisual para TVs públicas lançado em 2018, ainda no final do governo Temer. Em 2019, foi uma das obras selecionadas, mas o governo Bolsonaro congelou quase todos os investimentos na cultura, ignorando compromissos oficialmente assumidos e contratos assinados. A verba só foi liberada devido a um mandado de segurança. Assim, foi possível gravar a série em setembro e outubro de 2021. Os processos de edição e finalização aconteceram até o final de 2023.
Com capítulos de meia hora, a trama parte da mudança de endereço de um espaço comunitário, o fictício Centro Liberdade, para discutir questões cotidianas das periferias urbanas brasileiras. Entram na pauta o tráfico de drogas, a ação policial, a política partidária, a religião... Uma das personagens principais é a assistente social Gabriela, vivida por Kaya Rodrigues, atriz da série Necrópolis (2019). Estagiária idealista, ela tenta convencer o diretor do centro, Ricardo (Rafa Sieg, protagonista do filme Disforia, de 2019), a ajudar uma mãe que perdeu a guarda do filho por não poder mantê-lo em uma creche. Em outra ponta, acompanhamos o romance escondido entre o "dono da vila", Bicas (Thiago Souza), e Polenta (Lucca Rocha), que é filho do dono do mercadinho local.
No capítulo de estreia, transparece o talento na arquitetura das cenas e na construção dos planos, amparadas pela direção de fotografia a cargo de Juliano Dutra e pela edição de Alexander Desmouceaux. Os diálogos são um tanto expositivos, às vezes didáticos, e o ritmo é mais lento do que o esperado, mas percebe-se a intenção: a ideia é ambientar o espectador desacostumado àquele cenário e apresentar as peças de um tabuleiro prestes a ficar tenso, a julgar pelas cenas vislumbradas nos créditos de abertura embalados pela galopante música de Fernando Efron e Augusto Stern.
A seguir, confira uma entrevista com os diretores e roteiristas Bruno Carvalho, Cleverton Borges e Livia Ruas.
Como surgiu a ideia de Centro Liberdade? Há inspiração em histórias reais?
Bruno Carvalho — Nós queríamos que Centro Liberdade, além de retratar um tema importante, fosse uma série legal de assistir, daquelas que tu termina um episódio e vai para outro. Havia essa vontade de mostrar uma Porto Alegre periférica sem precisar entrar em estúdio, mas sempre pensando em como fazer isso para o público, de uma forma massa, adaptando para nossa realidade o gênero policial.
Segundo o material de divulgação e a julgar pelo primeiro episódio, a série procura abordar temas sociais, como as relações de poder nas periferias urbanas e a questão do tráfico de drogas, sem deixar de lado os dramas pessoais. Temos, por exemplo, o caso de Gabriela, que tenta fazer a diferença como assistente social, mas, em casa, depara com o descrédito da própria mãe. Ou o do filho do mercado local, que esconde do pai sua homossexualidade. Gostaria que vocês falassem sobre como equilibrar, na trama, o coletivo e o individual.
Livia Ruas — Seja em Star Wars ou em Titanic, sempre é sobre pessoas. Sobre como elas lidam com o que está acontecendo. A gente usa essas pautas sociais como pano de fundo, mas a gente se conecta com os personagens. Não é difícil fazer esse equilíbrio, muito pelo contrário. Os personagens acabam ganhando vida e nos conduzem.
As locações incluíram os bairros Bom Jesus, Cruzeiro do Sul e Partenon. Como foi a receptividade da comunidade para as gravações? Vocês enfrentaram algum problema?
Cleverton Borges — Centro Liberdade fala sobre as associações comunitárias que existem nos bairros da cidade. No primeiro momento, nossas pesquisas foram voltadas para conhecer o funcionamento dessas associações e fazer com que o nosso projeto fosse verossímil com a realidade de Porto Alegre. Com essas pesquisas, entramos em contato com diversos líderes comunitários, que possibilitaram nossa entrada nesses bairros de forma tranquila. Isso gerou um impacto positivo para os moradores, que por vezes paravam e perguntavam o que estava acontecendo e contavam como era importante para eles que a comunidade deles fosse retratada no projeto.
Centro Liberdade é um trabalho a seis mãos no roteiro e na direção. Como foi essa experiência? Como vocês dividiram as tarefas? Houve diferenças criativas?
Cleverton — Eu tive um grande aprendizado durante todo o projeto. Trabalhar com o Carlos Gerbase, que foi meu professor, sempre foi algo almejado. Ter todas as dicas do Bruno durante todo o processo, dando lucidez ao projeto, foi de suma importância para que ele tomasse a forma que está. A Livia fez com que o projeto tomasse um caminho mais leve e mais sensitivo. Eu só queria contar as histórias das pessoas que são oriundas das vilas de Porto Alegre, tentando também contar um pouco da minha história e de alguns amigos.
Bruno — Creio que no final das contas o Clevs e a Lívia foram mais criativos, enquanto eu e o próprio Carlos Gerbase (nosso guru) fomos mais a cola pra unir as ideias dos dois. Eu não tenho dúvida que a sala de roteiro foi a parte mais fácil da jornada: ali bastava que as três pessoas encontrassem um norte. Com a equipe de produção completa, esse número subiu para mais de 50 pessoas.
Livia — A gente sabia o que queria na série, portanto sempre foi um debate tranquilo. Claro que havia divergências criativas, mas isso enriqueceu a série, porque, quando surgiam, a gente discutia cada plot twist. É muito interessante ter que deixar o ego fora da sala, criar um trabalho em que não é só um que acha o que é certo ou errado. Os personagens e suas tramas ficavam mais ricos e aprofundados a cada discussão, a cada troca de ideias. Por menor que fosse o personagem, cada um tem a sua história por trás, a sua motivação. E isso só aconteceu porque havia três pessoas debatendo sobre cada personagem, cada por quê. Todo mundo que escreve, todo mundo que cria deveria passar por uma experiência assim.