Ao retratar cinematograficamente as dores, os amores e as angústias de uma geração que queria aproveitar a sua mocidade em tempos de ditadura militar, um grupo de jovens realizou uma obra que seria relevante 40 anos depois. Esse evento audiovisual é Verdes Anos, longa-metragem que foi exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Gramado, em abril de 1984, estreando comercialmente no mês seguinte — e, no sábado (22), ganha uma sessão comemorativa na Cinemateca Capitólio, a partir das 18h, com entrada franca.
Muito já foi dito sobre o título dirigido por Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil nestas quatro décadas que separam a estreia do filme — até mesmo um livro foi escrito: Verdes Anos: Memórias de um Filme e de uma Geração (2016, Editora UFRGS), de Alice Dubina Trusz. Ou seja, esta produção, que virou objeto de culto, jamais caiu no esquecimento. Mas como os envolvidos neste projeto enxergam essa passagem do tempo?
Além da dupla de diretores, a reportagem conversou com dois dos protagonistas da produção, Werner Schünemann (Nando) e Luciene Adami (Soninha), para saber quais são as lembranças que carregam da obra, premiada no Festival de Cinema de Gramado e que se passa em apenas três dias, em 1972, em uma cidade do interior gaúcho. Entre as recordações, fica claro que houve um processo de amadurecimento, seja em frente ou atrás das câmeras.
A superação de Gerbase
— Foi uma longa corrida de revezamento. A vantagem de haver dois diretores é que, quando um estava exausto demais, o outro assumia o filme por algumas horas e, depois, passava o bastão. Com pouco negativo de 35mm, pouco tempo e poucos recursos técnicos, Verdes Anos é resultado de superação pessoal e planejamento coletivo — diz Gerbase, que tinha 24 anos na época das gravações.
Mas, de acordo com o codiretor, os desafios citados acima, bem como uma decupagem detalhada e executada com "fervor quase religioso", deram ao filme uma precisão narrativa e um ritmo que são bem definidos.
— É como se os limites da produção nos empurrassem em direção à simplicidade, a um despojamento linguístico que nada tem a ver com preguiça, e sim com adequação à realidade de cada dia de trabalho. Elenco e equipe sabiam que o desafio era não desistir — explica.
Hoje, ao olhar para o cinema gaúcho, que acredita que é muito mais profissional e com recursos técnicos inimagináveis em 1984, Gerbase afirma que Verdes Anos é importante como obra e como modo de realização, mas não deve ser imitado em seus parcos recursos de produção:
— É para servir como exemplo de uso consciente do pouco que está disponível, pois a potência do cinema como linguagem é infinita.
As memórias de Werner
Intérprete de Nando e que também assina o roteiro técnico do filme — ou seja, foi reescrevendo cenas durante as filmagens para se encaixarem nos ajustes necessários —, Schünemann enfatiza que o fato de o título não ter um único protagonista — é um quarteto — exemplifica, na tela, o espírito coletivo da produção:
— Foi quase uma gincana daquelas de escola, quando um grupo qualquer vira parceiro, com pessoas capazes de coisas sensacionais só para derrotar os adversários. E Verdes Anos foi isso: viramos parceiros para fazer o filme. Tenho a memória de uma coisa jovial, de turma, de bando, de gangue.
Esta parceria, inclusive, se dava atrás das câmeras, com o grupo, por exemplo, saindo de Porto Alegre em ônibus de linha e indo para São Leopoldo gravar suas cenas. Os jovens atores pagavam as refeições do próprio bolso: geralmente, um cachorro-quente em um trailer que ficava na praça onde gravavam.
— Teve uma cena em que estava muito frio, fazia uns 2º C, e eu e a Marcinha do Canto tivemos que cair dentro d'água. Estava muito gelado e não tinha chocolate quente, mas existia a possibilidade de fazer uma vaquinha (risos) para fazer um chocolate quente na casa de alguém que estava ali assistindo e ofereceu a cozinha. Disso saiu uma brotação da ideia de fazer cinema urbano no Rio Grande do Sul — lembra.
A alegria de Luciene
Verdes Anos, para a intérprete de Soninha, foi uma mudança de fase. A atriz salienta que foi uma grande satisfação deixar para trás as produções "quase amadoras", em 8mm e 16mm, e ir para um longa-metragem rodado em 35mm.
— Esse, eu acho, era um sentimento de todo mundo, uma alegria muito grande, como se a gente tivesse virado adulto — destaca.
Porém, Luciene aponta que o modo mais mão na massa, que vinha de suas primeiras incursões na sétima arte e também do teatro, não foi abandonado com este upgrade de fazer cinema. Ela ressalta que, dentro de Verdes Anos, os próprios artistas faziam as suas maquiagens e ainda acumulavam outras funções, como figurinista — algo que não se vê nos longas profissionais de hoje.
— Era incrível, porque dava uma dimensão caseira. Assim, chegando no longa, a gente ainda tinha um jeito muito coletivo de trabalhar, o que fez diferença, ainda mais porque era um grupo em que a maioria já se conhecia. Dava um relaxamento na cena, uma intimidade de trabalhar junto — enfatiza.
Este movimento todo, segundo a atriz, fez com que o filme se tornasse um clássico não apenas no Rio Grande do Sul, mas no Brasil. A dedicação de todos os envolvidos na produção criou um retrato geral sobre a passagem da adolescência para a maturidade.
— Foi uma entrega total. Para todo mundo, era uma oportunidade na carreira. E a maioria das pessoas que trabalharam no filme seguiu fazendo cinema. Então, a partir da maturidade atingida em Verdes Anos, a história seguiu para todos, e isso que carrega o filme para sempre, porque ele não ficou isolado no tempo — detalha a atriz.
A decepção de Giba
Nem só de memórias alegres e de superação Verdes Anos vive. Giba Assis Brasil explica que foi a coletividade do cinema que o levou a fazer filmes, com a sensação de, depois de concluir um projeto, poder enxergar nele um pouquinho de cada um dos envolvidos. Porém, não foi bem assim neste caso.
— Depois que o filme ficou pronto e foi lançado, foi uma decepção. A gente não tinha o controle, ele era da produtora mais do que da gente. Então, a produtora que decidiu quando lançar, quando fazer a estreia no Rio e mais um monte de coisa que não passou pelo coletivo — lamenta.
O cineasta conta, ainda, que embarcou no projeto, que foi planejado pela Z Produtora Cinematográfica, porque enxergava como uma possível continuidade dos trabalhos que vinham sendo feitos por ele e seus companheiros de maneira mais modesta, como Deu Pra Ti Anos 70 (1981), Coisa na Roda (1982) e Inverno (1983), mas o enredo não agradou.
— Quando apareceu a história, que não foi proposta minha e nem do Gerbase, a gente primeiro recuou, porque achávamos que era um passo atrás em relação à temática dos filmes que estávamos fazendo. Ao mesmo tempo, era um passo à frente, porque era uma produção em 35mm, para chegar na tela grande, e isso pesou muito para entrarmos todos de cabeça — conta o codiretor.
Porém, ao começar a rodar o projeto, a equipe precisou lidar com o orçamento baixo e, assim, cortar o roteiro que Álvaro Teixeira havia escrito, baseado no conto Os Verdes Anos, de Luiz Fernando Emediato. Neste cenário, foram 23 dias de filmagem em que Giba, praticamente, não dormiu, filmando e planejando o tempo todo, além de se ver diante dos mesmos perrengues dos projetos anteriores.
— Quando parávamos para fazer as refeições, com comida fria e o prato em cima do joelho, começamos a pensar: "Está estranho isso daqui. Era para ser um filme profissional, mas está sendo pior do que os outros que a gente já fez, já que a correria é muito maior".
Foi um sufoco, mas a antipatia por Verdes Anos, que nitidamente não é o favorito de sua filmografia, ao longo das décadas, foi diminuindo:
— Hoje, até consigo ver algumas qualidades no filme. E acredito que ele se tornou popular no cinema gaúcho pela necessidade de se ver na tela que uma geração tinha. A gente, de alguma maneira, foi a antena disso.
Comemoração no Capitólio
A celebração vai ser promovida pela Associação de Amigas e Amigos da Cinemateca Capitólio (AAMICCA) que exibirá o filme em seu formato original, em 35mm, no sábado (22), às 18h, na Cinemateca Capitólio (Rua Demétrio Ribeiro, 1.085 - Centro Histórico).
A sessão contará com a presença do codiretor Giba Assis Brasil e da atriz Márcia do Canto, a Cândida. Após a projeção de Verdes Anos, a dupla fará um debate com a mediação de Rafael Valles, pesquisador e documentarista. A entrada é gratuita, mas o espectador deve retirar ingresso na bilheteria do local, a partir das 17h30min.