O documentário Verissimo, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (2), acompanha por 15 dias um escritor que pouco fala ao longo de 24 horas. Comparece a eventos e só expressa o indispensável. Concede entrevistas, mas as respostas são breves. Fica pelos cantos nas festas, fitando a agitação ao redor — talvez desconfortável, talvez se divertindo, difícil decifrar. Só que dentro dessa notória introversão há gestos atenciosos de amor e generosidade, além de uma paciência hercúlea.
O filme apresenta um Luis Fernando Verissimo que não está na orelha dos livros. Aos 87 anos, o porto-alegrense é o maior cronista do país e um dos maiores autores brasileiros vivos, reconhecido por um texto conciso e humor refinado, além de reconhecida atuação como chargista. Hoje, ele permanece em casa, no bairro Petrópolis, cuidando da saúde — recupera-se das complicações de um acidente vascular cerebral.
Verissimo é dirigido pelo carioca Angelo Defanti, que já adaptou o romance O Clube dos Anjos para um longa lançado em 2022, além de ter assinado os curtas Feijoada Completa (2012) e Maridos, Amantes e Pisantes (2008), ambos baseados em contos do escritor. O cineasta conheceu o autor quando ainda era universitário, ao pedir os direitos para o primeiro curta. Um projeto levou a outro, e ele foi estabelecendo uma relação com LFV, aproximando-se também da família.
Por conta dessa proximidade e até por uma característica do escritor observada no filme por Lúcia, esposa de Verissimo — a incapacidade de dizer "não" —, Defanti recebeu sinal positivo do cronista e da família, que também aparece no documentário. Até porque, conforme o cineasta, a ideia não era fazer um filme exatamente sobre o escritor.
— Meu objetivo maior era retratar o ambiente — explica. — Verissimo dentro dessa família, que é muito fraterna, com um funcionamento muito diferente: tem essa pessoa muito introvertida, com todos os outros familiares mais extrovertidos e externados. Uma dinâmica que funciona. Queria registrar esse afeto nas pequenas coisas.
Defanti acrescenta que a ideia não era fazer um filme biográfico e laudatório, mas sim um registro desse entorno do escritor. Verissimo é um documentário observativo — não há narração em off ou depoimentos, apenas uma "câmera invisível" que segue o personagem — que acompanha o cotidiano do cronista durante 15 dias até culminar em sua festa de 80 anos. O filme foi rodado em 2016, resultando em quase cem horas de material, mas teve seu desenvolvimento atrasado por conta da priorização de outros projetos e da pandemia.
Saber o que filmar e o que não filmar
Ao longo de saborosos 90 minutos, observamos a rotina — na maior parte, em sua casa, em Porto Alegre — de LFV: os cuidados com a saúde, as partidas do Internacional pela TV (ou as derrotas naquele período periclitante), o atendimento paciente a seus leitores, as reuniões familiares que ele contempla silenciosamente, as entrevistas (o autor brinca que em uma entrevista sua sofrem ele e o público) e eventos no Rio que propiciam tiradas espirituosas em suas breves falas.
No começo do filme, há uma cena bastante satisfatória em que Verissimo está mais solto: ao ouvir um CD com a trilha sonora do musical Hamilton, que ele acompanha lendo as letras no encarte, balança o corpo, estala os dedos e até assobia a faixa You'll Be Back. Há outra cena em que o escritor transmite, à sua maneira, uma explosão de felicidade causada pelo Inter: uma exclamação contida e cerimoniosa de gol.
Verissimo é um documentário que expõe a timidez em ação, em meio a uma família festejante, como define Defanti. O cineasta trabalhou com uma linguagem mais discreta no filme, ficando ombro a ombro com o escritor — registrando-o como ele registra o mundo. E para filmar o cotidiano de uma pessoa tão retraída, foi necessário bom senso.
— Ao longo desses dias, eu não estava lá o tempo todo — explica Defanti. — Acho que foram se acostumando. Tudo é uma espécie de dança. Tão importante quanto saber o que filmar era saber o que não filmar.
Dentro dos limites de sua introversão, Verissimo apresenta um lado amoroso ao brincar com sua neta e seu neto. São momentos sensíveis e enternecedores, em que o escritor participa do que está sendo imaginado pelas crianças.
— Ele se conecta através da fabulação. Tanto que nunca estraga as brincadeiras, entra na proposta. É um sujeito introspectivo que, para demonstrar afeto aos netos, encontra amparo na ficção — descreve o diretor.
Porém, o que surpreendeu Defanti no período das filmagens foram os textos. Há cenas do cronista em seu escritório escrevendo que o diretor até espiava na tela do computador. Mesmo assim, o que era publicado depois fascinava:
— Verissimo escrevia coisas que eu não sabia de onde tirava. É muito chamativo o radar desse cara, tem uma antena muito diferente. Até em crônica de ficção, que eu lia e sempre pensava: como ele inventou isso? Estou com ele o tempo todo!
Sessão especial
- O documentário será exibido em sessão especial nesta quinta-feira (2), às 19h30min, na Cinemateca Capitólio (Rua Demétrio Ribeiro, 1.085), em Porto Alegre.
- Após o filme, haverá debate com as presenças do diretor Angelo Defanti, do cineasta Jorge Furtado e da filha do escritor Fernanda Verissimo.