Entramos na reta final do 19º Fantaspoa, o Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o principal evento na América Latina para filmes de fantasia, ficção científica, suspense e terror. Desta terça-feira (25) até domingo (30), haverá a exibição de mais de 40 longas-metragens, a grande maioria inéditos no Brasil — e sabe-se lá quando poderão ser assistidos novamente por aqui.
São raros os títulos do Fantaspoa que depois têm lançamento comercial no país. Alguns pelo menos chegam ao streaming, como o maravilhoso Dois Minutos Além do Infinito, prêmio de melhor direção no festival de 2021 e disponível na HBO Max.
Portanto, se você não quer correr o risco de perder joias desta edição, montei um guia com 12 destaques da última semana. Estão na ordem de exibição (alguns terão duas sessões, outros, apenas uma). Clique nos links se quiser saber mais.
Evidência Número 8 (Holanda, 2022)
De Ruben Broekhuis. Ao acompanhar a produção de um documentário do cineasta Elias (Claudio Magaña Torres) sobre a busca de uma imigrante bósnia (Nastaran Razawi Khorasani) por seu irmão desaparecido há muitos anos, o filme mistura um subgênero do terror, o do found footage (o das imagens supostamente reais encontradas por acaso), com uma das características do Fantaspoa: a imprevisibilidade. Somos desafiados a descobrir para onde a história está indo.
No caminho, o diretor holandês cruza com outro subgênero do terror (revelar qual seria dar spoiler) e reforça o alerta sobre os rastros digitais que deixamos. Sessão na Sala Paulo Amorim, nesta terça, 25/4, às 19h30min
A Mesa da Sala de Jantar (Espanha, 2022)
De Caye Casas. Começa como uma comédia engraçadíssima: Jesus (David Pareja) e María (Estefania de los Santos), pais do recém-nascido Cayetano, estão em uma loja de móveis, onde um vendedor picareta tenta convencer o casal de comprar "la mesita del comedor" do título original, a mesinha de centro Röret, uma peça de "design sueco, pintada em bronze, com vidro inquebrável, sobre uma estrutura com a imagem de duas belas garotas, feitas em marfim e banhadas numa perfeita imitação de ouro". O marido quer levar, a esposa não, mas como ela já escolheu as cores do apartamento, o dia do casamento, o terno que ele vai usar, o vestido da sogra, a hora de ter um filho e o nome do guri — "Um nome ruim, de toureiro fascista!" —, Jesus pode curtir uma rara e pequena vitória no dia em que vão receber a visita de seu irmão, Carlos, e de sua namorada de 18 anos, Cris.
E mais não dá para dizer sobre este filme espanhol que, como de costume no Fantaspoa, nos pega de surpresa, oferecendo uma trama absolutamente incomum e nos colocando em uma situação absurdamente aflitiva, na qual um dos personagens sabe de algo que os outros desconhecem. Prepare-se para suar frio, quem sabe até ficar nauseado, mas vá ao cinema. Este é do tipo um em um milhão. Sessões na Cinemateca Capitólio, nesta terça, 25/4, às 20h30min (com a presença do diretor), e no dia 26/4, às 13h
Jardim Lunar (EUA, 2022)
De Ryan Stevens Harris. O diretor levou seis anos para produzir esta mescla de filmagens em 35mm, sequências de animação stop-motion e trucagens cinematográficas. O roteiro poderia ser menos explicativo, mas há belas virtudes neste conto de fadas sombrio sobre uma menina de cinco anos, Emma (a encantadora Haven Lee Harris, filha do cineasta), que, em meio a mais uma briga dos pais (Augie Duke e Brionne Davis), sofre um acidente e entra em coma.
Então, a garotinha embarca em uma jornada interior por cenários ora industriais, ora lunares, na qual vai deparar com personagens ora ameaçadores, ora acolhedores. Esses cenários e esses personagens são tanto reflexos das situações da vida real quanto frutos de sua imaginação — ou talvez do seu desejo de que os pais se reconciliem. Tudo é pontuado pela melancólica trilha sonora composta por Michael Deragón, que por vezes funde sua música com a canção Without You (1971), sucesso de Harry Nilsson. Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 26/4, às 16h30min, e no dia 30/4, às 13h
Era Uma Vez no Futuro: 2121 (Turquia, 2022)
De Serpil Altin. Como diz o título, o filme se passa futuro, quando a Terra se tornou inabitável por causa da crise climática e da fome. Os poucos sobreviventes formam colônias e começam a viver em blocos subterrâneos. De acordo com as Leis da Escassez da Administração Jovem, que controla esse sistema, a pessoa mais velha da família precisa morrer quando nasce um novo bebê. E é isso o que está para acontecer na família dos personagens principais: a avó (Aysenil Samlioglu), a mãe (Selen Öztürk), o pai (Çagdas Onur Öztürk) e a filha pré-adolescente (Sukeyna Kiliç).
Com enquadramentos e simetrias que remetem ao cinema de Peter Greenaway (parentesco realçado pela iluminação e, observa João Pedro Fleck, um dos organizadores do Fantaspoa, "pelo uso de elementos como a maçã) e de Wes Anderson (parentesco realçado pelo uso de uniformes), Era uma Vez no Futuro faz uma boa mistura de ficção científica, comédia, suspense e crítica social. No mundo pós-apocalíptico que imagina, reflete o comportamento mimado das atuais gerações mais jovens — a rebeldia, quem diria, cabe aos idosos. Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 26/4, às 20h30min (com a presença da diretora), e no dia 27/4, à 13h
A Garota Artificial (EUA, 2023)
De Franklin Ritch. Quando um vigilante da internet (o próprio Franklin Ritch) desenvolve um novo e revolucionário programa de inteligência artificial para combater pedófilos online, seu rápido avanço leva a sérias questões sobre os limites da tecnologia, a autonomia das máquinas e o que realmente significa ser humano.
João Pedro Fleck, que, ao lado de Nicolas Tonsho, assina a direção geral e a produção executiva do Fantaspoa, acredita que este filme estará presente em listas dos melhores do ano. No site Bloody Disgusting, Meagan Navarro escreveu: "É nas camadas calculadas do trabalho de construção dos personagens e de enigmas éticos que Ritch acaba encontrando sua mágica" . De fato, a força de A Garota Artificial — que, vale avisar, não investe em efeitos visuais nem empreende uma caçada policial (praticamente não há o que se poderia chamar de cenas de ação) — está nas discussões que propõe sobre IA, um tema totalmente quente. Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 27/4, às 14h45min, e no dia 30/4, às 18h15min
Brooklyn 45 (EUA, 2023)
De Ted Geoghegan. Este eu ainda não vi, mas entra na lista pela insistência de João Pedro Fleck.
A sinopse diz o seguinte: "Sexta-feira, 27 de dezembro de 1945. Cinco veteranos militares, melhores amigos desde a infância, se reúnem em uma casa do Brooklyn, tendo um problemático anfitrião. Logo os fantasmas metafóricos do passado tornam-se muito literais". Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 27/4, às 20h30min (com a presença do diretor), e no dia 28/4, às 14h45min
Bom Garoto (Noruega, 2022)
De Viljar Boe. Das recentes sátiras ao super-ricos, Bom Garoto é a menos badalada. Não ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes nem concorreu ao Oscar, como Triângulo da Tristeza; não empilhou troféus no Emmy, como as séries Succession e The White Lotus; e não reuniu um elenco estelar, como O Menu, com Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, John Leguizamo e Janet McTeer. É também a mais modesta no orçamento, tanto que, no Fantaspoa 2023, está competindo na nova seção, Low Budgets, Great Films, para produções baratíssimas, e na duração (são 76 minutos).
E provavelmente é a mais inusitada: logo na largada, Bom Garoto pode deixar o espectador perplexo diante do cachorro de estimação do personagem principal, o jovem herdeiro Christian (Gard Lokke). Que não é um cachorro, mas uma pessoa que veste uma fantasia de cão, anda de quatro, atende por Frank, come num pote, arfa, late e esfrega o, digamos, focinho pedindo carinho. É com ele que terá de se acostumar Sigrid (Katrine Lovise Opstad Fredriksen), a moça a quem o protagonista conhece via Tinder. Sessão na Cinemateca Capitólio, no dia 28/4, às 13h
Molli e Max no Futuro (EUA, 2023)
De Michael Lukk Litwak. Se a comédia romântica hollywoodiana está em crise, o diretor apresenta um futuro — literalmente.
Seu filme é sobre um homem (Aristotle Athari) e uma mulher (Zosia Mamet) cujas órbitas se chocam repetidamente ao longo de 12 anos, quatro planetas, três dimensões e um culto espacial. Imagine uma cruza entre Harry & Sally: Feitos um para o Outro (1989), Blade Runner (1982) e a Trilogia do Antes (1995-2013), de Richard Linklater. Humor, romance, discussões filosóficas e reflexões sobre para onde os avanço tecnológicos estão nos levando se misturam a carros voadores, homens-peixe e gigantescos robôs de luta. Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 28/4, às 20h30min (com a presença do diretor), e no dia 29/4, às 14h45min
As Bestas (Espanha, 2022)
De Rodrigo Sorogoyen. Antoine (Denis Ménochet) e Olga (Marina Foïs) são um casal francês que vive em uma aldeia no interior da Galícia. Lá, eles levam uma vida tranquila, cultivam vegetais e reabilitam casas abandonadas, embora sua convivência com os moradores locais não seja tão amistosa quanto desejam. Sua recusa em concordar com a implementação de um parque eólico acentuará os desentendimentos com os vizinhos, especialmente com os irmãos Xan (Luis Zahera) e Loren (Diego Anido).
Desde a cena de abertura, ao mesmo tempo selvagem e poética, em que homens se atiram sobre cavalos bravios para tentar domá-los, As Bestas justifica a vitória arrasadora no Goya, o prêmio da Academia Espanhola. Foram nove troféus: melhor filme, direção, ator (Ménochet), ator coadjuvante (Zahera, cru e assustador), roteiro original, fotografia, edição, som e música (que aparece sucintamente, mas é fundamental na construção da atmosfera). Sorogoyen retrata como podem ser tensas as relações humanas, sobretudo quando temperadas pela xenofobia e por visões de mundo muito diferentes: para Xan e Loren, vender as terras é a chance de escapar da miséria e do "cheiro de merda"; para Antoine e Olga, que vieram da cidade, a simplicidade da vida rural foi uma escolha. Sessão na Sala Paulo Amorim, no dia 29/4, às 19h30min
Irati (Espanha, 2022)
De Paul Urkijo Alijo. Estamos no século 8, e o exército de Carlos Magno, rei dos francos, está devastando os Pirineus. Em uma tentativa de frear essas ações, o líder do povo local pede ajuda a uma divindade pagã que está fadada ao esquecimento, por causa do advento do cristianismo. Ele faz um juramento de sangue antes de uma batalha brutal.
Eis o ponto de partida desta fantasia épica baseada em uma história em quadrinhos, apontado como o melhor filme do ano passado pelo cineasta Álex de la Iglesia (de O Dia da Besta e Enigma de um Crime). E na primeira meia hora Irati realmente é fascinante, apresentando um mundo de aventura e mitologia que faz lembrar do excelente Excalibur (1981), embora seja muito diferente de tudo o que já vimos — o uso do impenetrável idioma basco contribui para o estranhamento e o encantamento. Com o passar do tempo (são 110 minutos de duração), contudo, a magia arrefece. Sessões na Cinemateca Capitólio, no dia 29/4, às 20h30min (com a presença do diretor), e no dia 30/4, às 14h45min
Megalomaniac (Bélgica, 2022)
De Karim Ouelhaj. O Carniceiro de Moons, um assassino serial que assombrou a Bélgica nos anos 1990, inspira este filme sobre como o mal pode ser transmitido, como o mal contamina, como a vítima pode se tornar agressor. Os personagens principais são os supostos filhos do serial killer, Martha (Eline Schumacher, em atuação impressionante) e Felix (Benjamin Ramon, com uma aparência andrógina). Enquanto ele segue os passos do pai, caçando mulheres nas ruas, ela trabalha como faxineira noturna em uma fábrica, onde é constantemente abusada por dois colegas, não raro aos olhos do chefe. Martha também é atormentada por pesadelos com figuras demoníacas que parecem ganhar vida no casarão onde os irmãos moram.
Todo esse contexto faz despertar em Martha um desejo de vingança, ainda que distorcido. Karim Ouelhaj controla as explosões de violência (que incluem estupro, espancamento, assassinato, marteladas na cabeça) para que elas tenham o maior impacto possível quando ocorrem. Também balanceia a crueza com o onírico e contrasta a brutalidade com planos que chegam a ser deslumbrantes na composição e na iluminação — a pintura barroca inspirou o diretor de fotografia François Schmitt. Sessão na Sala Paulo Amorim, no dia 30/4, às 19h30min
Minore (Grécia, 2023)
De Konstantinos Koutsoliotas. Passo a palavra para João Pedro Fleck, um dos curadores e diretores do Fantaspoa: "Esclareço de antemão que além de ter selecionado o filme para encerrar o festival, em sua estreia mundial, também assino como produtor associado. Minore é um dos filmes mais gregos já feitos na história do cinema. Isso ocorre pela presença da dança, da música, do jogo de maki, das comidas servidas para turistas e, acima de tudo, pelas idiossincrasias dos personagens, tão bem trabalhados pelo diretor, Konstantinos Koutsoliotas, que está com seu terceiro longa presente no Fantaspoa em apenas oito anos, tendo sido produzido pela sua esposa (Elizabeth E. Schuch, também responsável pela incrível arte do cartaz da 19ª edição).
O filme foi concebido ao longo de muitos anos e teve que esperar a participação de uma empresa grega que conseguiu o capital necessário para tirar a produção do papel. Grande parte deste valor foi investido em efeitos visuais. E que efeitos visuais! Kostas, além de diretor, é especialista em efeitos há 20 anos e trabalhou em filmes como Guardiões da Galáxia, X-Men: Fênix Negra, Dumbo, 300 e 1917. Então, quando você junta a peculiaridade do filme de costumes grego com monstros lovecraftianos que vêm dominar a Terra, a única forma de combatê-los é, obviamente, com Bouzoukis (típica guitarra da música folclórica grega) que se convertem em metralhadoras. Enfim, um filme que dificilmente sairá da mente dos espectadores e que garantidamente não os deixará indiferentes". Sessão na Cinemateca Capitólio, no dia 30/4, às 20h30min (com a presença do diretor)
Bônus: Cult Hero (Canadá, 2022)
De Jesse Thomas Cook. João Pedro Fleck pediu para dar mais uma indicação: "Cult Hero é um filme peculiar dentro da programação do Fantaspoa, convidando o espectador a curtir uma série de emoções cômicas, como se fosse um Segurando as Pontas repleto de gore e narrativas sobre cultos. Nesta divertida comédia, a obsessiva e controladora corretora Kallie Jones tenta resgatar seu marido de um 'centro de bem-estar'. Porém, como ela não está tendo êxito, recorre à ajuda de um especialistas. Dale (o cult hero do título) um dia foi um bem-sucedido apresentador de um reality show sobre o desmantelamento de seitas e agora vive na pobreza, alimentando-se dos tempos de glória e imaginando seu retorno triunfal que poderá (ou não?) surgir com a oportunidade trazida por Kallie. O diretor Jesse Thomas Cook já esteve no Fantaspoa com os longas-metragens Monster Brawl, O Homem Séptico e Os Acumuladores". Sessões na Sala Paulo Amorim, no dia 26/4, às 15h30min, e no dia 29/4, às 17h30min