Está disponível na plataforma de streaming HBO Max o documentário Navalny (2022), que ganhou o Oscar da categoria, o Bafta (da Academia Britânica) e o prêmio da Associação dos Produtores dos EUA ao retratar o advogado Alexei Navalny, que teve sua morte anunciada nesta sexta-feira (16) pelo Serviço Penitenciário Federal da Rússia. Ele era o maior opositor de Vladimir Putin, que vem se perpetuando no poder desde a renúncia de Boris Ieltsin, em 1999 — atualmente, está no seu quarto mandato como presidente (também já foi primeiro-ministro) do maior país do mundo em extensão territorial e o nono mais populoso (são 143,7 milhões de habitantes).
Dirigido pelo canadense Daniel Roher, o documentário começa com uma pergunta do realizador a seu personagem, que era o líder do partido Rússia pelo Futuro e criador da Fundação Anticorrupção:
— Se você for morto, se isso acabar acontecendo, que mensagem você gostaria de deixar para o povo russo?
O entrevistado sorri e diz:
— Me poupe, Daniel! Parece que está fazendo um filme para caso eu morra. Ok, eu estou pronto para responder à sua pergunta, mas, por favor, faça um filme diferente. Vamos fazer um thriller deste filme, e, se eu morrer, faça um filme chato in memoriam.
A resposta ajuda a dimensionar a personalidade do bonitão Navalny, que se notabilizou por organizar protestos contra Putin — "É a profissão mais perigosa do mundo", define uma jornalista no áudio de uma reportagem. O atual ocupante do Kremlin o odeia tanto, que se recusa a citar seu nome, como indicam trechos de entrevistas reproduzidos no filme. O opositor também virou sucesso em plataformas digitais e redes sociais, especialmente o Tik Tok, onde estão os jovens eleitores. Sua ambição é destronar Putin, nem que para isso tenha de marchar ao lado de nazistas.
— Em um mundo normal, em um sistema político normal, claro, eu jamais estaria no mesmo partido que eles. Mas estamos criando um coalizão ampla para lutar contra o regime, só para chegar à situação em que todos possam participar da eleição — justifica Navalny.
"Você não se sente desconfortável de ser visto em fotografias com eles?", questiona o diretor.
— Eu não me importo. Considero que seja meu superpoder político. Consigo falar com qualquer um — afirma Navalny. — De qualquer forma, eles são cidadãos da Rússia, e, se eu quiser vencer o Putin, se eu quiser ser um líder do meu país, não posso ignorar essa grande parte da população.
Aquela pergunta inicial de Roher, por sua vez, remete ao assunto central do documentário: a tentativa de assassinato, por envenenamento com a substância chamada Novichok, de Navalny, durante um voo de Tomsk para Moscou, no dia 20 de agosto de 2020. Para profissionais da TV estatal, contudo, o político apenas sofreu efeitos colaterais porque, "como todos os opositores, toma remédios antidepressivos americanos". Ou então pagou o preço por "participar de orgias homossexuais intermináveis com álcool e cocaína", sugere outro comentarista.
Como o documentário mostra, Navalny já havia sido alvo de um ataque com um líquido verde tóxico, atirado em seu rosto ("A primeira coisa que pensei foi: Jesus, eu vou ser um monstro até o fim da minha vida"), além de ser detido pela polícia em algumas ocasiões ou condenado por convocar protestos "não autorizados".
— À medida que fui ficando mais famoso, tive certeza de que minha vida seria mais segura. Me matar seria problemático para eles — reflete.
Ele estava enganado, assume logo em seguida. O filme documenta o processo de recuperação de Navalny, na Alemanha, tendo ao lado sua esposa, a economista Yulia Navalnaya, e seus filhos, Dasha (hoje com 23 anos) e Zakhar (15), e a investigação conduzida pelo jornalista búlgaro Christo Grozev, que ajudou a equipe do russo a descobrir detalhes que indicam o envolvimento do Kremlin no plano homicida. Em certos momentos, o documentário assemelha-se mesmo a um thriller de espionagem, com direito a momentos de insuspeitado alívio cômico.
Mas logo fica claro que essa história não terá um final feliz. Motivado por um misto de idealismo, compromisso e vaidade, o regresso a Moscou, em janeiro de 2021, não será triunfal, ainda que uma multidão o estivesse esperando.
O documentário termina mostrando a prisão de Alexei Navalny, que, sob acusação de "fraude e desacato", foi encarcerado em uma minúscula cela no Ártico, de onde só poderia sair quando já estivesse com 74 anos.