Em cartaz na Apple TV+, Still: Ainda Sou Michael J. Fox (2023) quase entrou na lista de indicados ao Oscar de melhor documentário. Parou nas semifinais. Concorrem ao prêmio 20 Dias em Mariupol, que retrata o início da invasão da Ucrânia pela Rússia em uma das cidades mais devastadas pela guerra que já dura quase dois anos; To Kill a Tiger, sobre uma família da Índia que faz campanha por justiça depois que sua filha adolescente foi brutalmente estuprada; As 4 Filhas de Olfa, que usa a reencenação como modo de lidar com o trauma de uma mãe tunisiana cujas duas filhas mais velhas desapareceram; Bobi Wine: The People's President, sobre um astro da música que virou líder da oposição ao regime ditatorial em Uganda; e A Memória Infinita, que tem como personagens Augusto e Paulina, juntos há 25 anos. O casal teme o dia em que ele, diagnosticado com a doença de Alzheimer, não a reconhecerá mais.
A relação sugere que a Academia de Hollywood deu preferência a questões mais urgentes e abrangentes, a filmes mais politizados ou doloridos, a cenários mais distantes e humildes. Michael J. Fox, 62 anos, é um astro da própria Hollywood, onde conquistou cinco troféus Emmy e outras 12 indicações graças a séries como Caras e Caretas, Spin City e The Good Wife e onde protagonizou a trilogia cinematográfica De Volta para o Futuro (1985-1990), com uma bilheteria quase bilionária.
Mas Still não deixa de ser um filme dolorido, ainda que muito bem-humorado e otimista, e um baita documentário. Não à toa, ganhou quatro Emmys, cinco Critics' Choice Awards e disputa o Bafta, da Academia Britânica. E seu cineasta, Davis Guggenheim, oscarizado por Uma Verdade Inconveniente (2006), concorreu à premiação do Sindicato dos Diretores dos EUA.
No início da carreira, Fox estava praticamente na miséria. Quando estava no auge, no começo da década de 1990, recebeu o diagnóstico de que tinha Parkinson, uma doença degenerativa e progressiva que provoca tremores, lentidão dos movimentos, rigidez e perda de equilíbrio. "Esta é uma luta que você não ganha", disse-lhe o médico. Restava tentar esconder de quase todo mundo, criando truques para disfarçar gestos involuntários durante as gravações de suas séries ou as aparições em programas de entrevistas, como o de Jay Leno e o de David Letterman.
Combinando depoimentos, dramatizações e um bom uso de cenas de filmes e seriados, o documentário mostra como a vida de Michael J. Fox é cair, levantar e seguir em frente, até o próximo tombo. Isso vale tanto para a sua condição médica quanto para sua carreira artística e para sua vida pessoal, em que o álcool, a fama e o acúmulo de trabalho foram coadjuvantes perigosíssimos.
De quebra, o biografado traz preciosas reflexões sobre seu ofício:
— Atores não se tornam atores porque têm excesso de autoconfiança. A ambição de um ator é passar a maior parte do tempo fingindo ser outra pessoa. Para nós, sortudos ou instáveis o suficiente para virarmos profissionais, a incerteza acerca de quem somos só aumenta. Corrói você. A crença de que é uma farsa. Um impostor.