Brightburn: Filho das Trevas (2019) é um exemplo de como boas ideias precisam ser mais estressadas antes de se concretizarem. Em cartaz no Amazon Prime Video, no Google Play e no YouTube, o filme estadunidense tem uma premissa que, se não chega a ser original nos quadrinhos, foi pouco testada no cinema (uma exceção é o que o diretor Zack Snyder ensaiou no universo DC): o que aconteceria se o Superman fosse do mal?
Coproduzido por James Gunn, o diretor de Guardiões da Galáxia (2014), Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017) e de O Esquadrão Suicida (2021), traz no roteiro a assinatura de um de seus irmãos, Brian Gunn, e de um primo, Mark Gunn. A direção é de David Yarovesky, do terror A Colmeia (2014).
Os fãs de gibis de super-herói reconhecerão conexões — ou citações explícitas — a Miracleman, clássico escrito no comecinho dos anos 1980 pelo inglês Alan Moore, que imaginou como seria um mundo em que houvesse, de fato, pessoas com superpoderes. O público em geral não terá dificuldade em identificar os elementos do mito do octogenário Homem de Aço. Os Gunn repisam praticamente toda a trajetória de Kal-El, o bebê extraterrestre que chega à Terra em uma nave espacial e acaba descoberto e adotado pelos Kent, um casal de fazendeiros do Kansas, nos Estados Unidos.
Em Brightburn — que é o nome da cidadezinha rural do mesmo Estado dos EUA onde a história se passa —, o guri ganha um nome aliterado, como é típico do gênero: Brandon Breyer, papel de Jackson A. Dunn (visto em uma pontinha de Vingadores: Ultimato, como a versão criança de Scott Lang). Seus pais adotivos são Tori e Kyle, interpretados por Elizabeth Banks (a Effie Trinket da cinessérie Jogos Vorazes) e David Denman (mais conhecido por fazer o noivo de Pam no seriado The Office).
Aos 12 anos, Brandon começa a manifestar seus poderes. Rasteiramente, o filme procura estabelecer alguma analogia com a entrada na puberdade, mas seu negócio é mesmo entregar um terror adolescente, cheio de sustos e de sangue, vazio de maiores discussões e de orçamento para levar o longa aonde ele realmente poderia ir.
Não que faltem atrativos. Embora a trama seja previsível, a direção de Yarovesky é competente em prover momentos de tensão à medida que Brandon percebe do que é capaz. Aí está um momento em que Brightburn funciona mais na cabeça do espectador do que na tela: cabe a nós, do lado de cá, especular sobre as aspirações de um menino de 12 anos, mergulhar em seu íntimo e refletir sobre a corrupção do poder. Em vez de se debruçar sobre os vícios e os desvios da alma humana, o roteiro prefere atribuir a motivação de Brandon a um mantra alienígena entoado por sua nave. Ao filme, interessa exibir, com alguma criatividade e muita crueldade, as habilidades de força, de telecinesia e de sabe-se lá mais o quê do enfant terrible. Verdade seja dita, duas cenas provocam altíssimo impacto, uma em uma lanchonete, outra em uma estrada, ambas envolvendo explícita mutilação facial.
Ancorado em uma trilha sonora bastante eficiente, Brightburn segue seu rumo sinistro adiando o inevitável desfecho, para o qual a família Gunn guardou uma surpresa que não agride a inteligência do espectador. Durante boa parte de sua hora e meia de duração, pode-se ficar com a impressão de que o filme alonga as ações de Brandon — afinal, se ele é tão superpoderoso, por que não resolve logo suas paradas? Parece que as restrições orçamentárias (apenas US$ 7 milhões) impediram um voo para o alto e avante — ainda que as cenas exibidas em meio aos créditos finais forneçam pistas tenebrosas de que está nascendo uma franquia cinematográfica. Como rendeu quase cinco vezes o seu custo (US$ 32,8 milhões), não é de se duvidar.