Se você curte o cinema feito em países como Dinamarca, Noruega e Suécia, não pode perder o projeto Ponte Nórdica no Ar. Até 31 de dezembro, 10 filmes contemporâneos (alguns deles inéditos no Brasil) serão exibidos gratuitamente no site pontenordica.com.br — basta fazer um cadastro para assistir. A mostra inclui títulos da Finlândia, da Islândia e até da Groenlândia.
O carro-chefe é Rainha de Copas (2019), que entrou na minha lista dos melhores títulos exibidos no Brasil no ano passado. Da Dinamarca, um dos países onde há o menor índice de desigualdade social e a maior qualidade de vida, surgem filmes que mostram personagens afligidos por dilemas morais, aturdidos por segredos de família, hostilizados pela sociedade e, não raro, atolados em encrencas nas quais eles mesmo se colocam. É o caso da protagonista do longa da diretora May el-Toukhy, Anne (interpretada por Trine Dyrholm), uma bem-sucedida advogada especializada em defender adolescentes vítimas de abuso sexual ou violência doméstica que acaba se envolvendo com o jovem enteado, Gustav (papel de Gustav Lindh).
Vencedor do Prêmio do Público no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, Rainha de Copas traz uma série de marcas desse cinema dinamarquês que é cirúrgico ao desnudar as fraturas familiares e as hipocrisias com as quais tentamos tapar nossas feridas — a protagonista vive o paradoxo de se tornar aquilo que, como advogada, combate: uma abusadora. Em especial na fotografia e na cenografia, o filme segue ou adapta algumas das 10 regras estipuladas por Lars Von Trier e Thomas Vinterberg no manifesto do Dogma 95, o movimento que pregava um cinema mais realista. Em que pese a intensidade das atuações, os personagens parecem pessoas reais flagradas em afazeres bem rotineiros ou em momentos delicadíssimos, diante dos quais somos costumeiramente instigados a imaginar como reagiríamos. Não há pudor em relação ao sexo: se ele tem de acontecer para o desenvolvimento da trama, será mostrado sem artifícios.
Também de May el-Thouky, entra em cartaz em 20 de novembro No Final das Contas (2015), que igualmente traz Trine Dyrholm no elenco. O filme é descrito como uma comédia romântica sobre um grupo de amigos que se encontram em diferentes celebrações e reavaliam sua posição sobre o verdadeiro amor.
Os três filmes suecos são bem diferentes entre si. Border (2018), que concorreu ao Oscar de melhor maquiagem e venceu a mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes, é uma mistura de suspense e fantástico dirigida por Ali Abbasi. Eva Melander encarna Tina, uma policial de feições grotescas que trabalha no porto fiscalizando bagagens e passageiros. É um personagem animalesco — aliás, tem um olfato sobre-humano, capaz de farejar a culpa, a vergonha e a raiva nas pessoas que passam pela imigração. Em uma de suas rondas, topa com um sujeito (Eero Milonoff) fisicamente parecido com ela. Mas será que ele é boa gente?
O documentário Martha e Niki (2014), de Tora Martens, é sobre uma dupla feminina campeã de dança no estilo hip hop. E Sangue Sámi (2016), de Amanda Kernell, é uma ficção sobre uma jovem pastora de renas da Lapônia que, para lidar com o preconceito étnico, rompe com os laços familiares. Kernell ganhou o troféu de melhor diretora estreante no Festival de Veneza.
Da Noruega, a curadora Tatiana Groff escolheu Inferno na Ilha (2010), de Marius Holst, que se passa em 1919 e mostra a dura realidade de jovens presos no reformatório da Ilha de Bastoy, e o documentário Irmãos (2015), de Baslaugh Holm, que acompanhou durante oito anos a transição de seus dois filhos da infância para a juventude.
A Finlândia e a Islândia são representadas por obras documentais: Conto do Lago (2016), de Marko Rohr e Kim Saarniluoto, e Kitchen Sink Revolution (2015), de Halla Kristin Einarsdottir. O primeiro destaca as lendas que envolvem as águas internas do país. O segundo reconstitui a onda feminista islandesa do começo dos anos 1980.
Por fim, há mais um documentário, Sumé: O Som da Revolução (2014), de Inuk Sillis Hoegh, que biografa a primeira banda de rock a cantar na língua da Groenlândia, em 1973.