Cada uma a seu modo, minhas filhas estão subindo pelas paredes. A caçula, a Aurora, quase que literalmente. Habituada aos sábados na Redenção, companheira de idas a pé até o supermercado e hábil em esticar a hora de voltar no pátio do colégio — com brincadeiras que incluem pega-pega e escaladas de postes ou de um barranco —, precisou arranjar maneiras de gastar a energia de seus seis anos. Já fizemos circuito de corrida pelo corredor, já pulamos corda, já jogamos bola de fogo na garagem. Mas as três atividades mais costumeiras são: plantar uma meia bananeira, com os pés encostados na parede; subir nas minhas pernas, como se eu fosse um jet ski, para caminharmos pela casa; e, sobretudo, um exercício abdominal que ela faz sozinha (graças a Deus!), o de se jogar de costas no sofá, a qualquer hora do dia e quantas vezes der na telha, não importa que a gente esteja tentando assistir ao Jornal Nacional ou a um episódio de Modern Family.
A mais velha, a Helena, sempre foi mais caseira. A ponto de sua primeira reação quando convidávamos para sair era um "Ah, não!" — depois, é claro, quando já estávamos todos nos brinquedos do parque ou tomando um sorvete no Cronks, sua alegria traía a personagem do contra que encarna. Continua difícil, de vez em quando, convencê-la a simplesmente descer para a garagem. Prefere ficar fazendo coreografias do Now United, ainda mais agora, que ganhou de presente da mãe um moletom rosa ma-ra-vi-lho-so da Sina.
Quanto às tarefas escolares, as duas também se diferenciam. Ávida, a Aurora chega a ficar adiantada às vezes. A Helena, do alto de seus 10 anos, se cobra mais, por isso, nos dias em que está atrasada com os temas, chega a ficar com vergonha de participar dos encontros digitais com a professora. Mas se enche de orgulho quando, por exemplo, percebe a riqueza de sua pesquisa sobre esgrima para a aula de educação física.
A rua e a escola fazem uma falta danada para as manas durante a pandemia. Porque são os ambientes onde as crianças podem viver o seu tempo: o do presente. O passado ainda é curto para que elas se prendam a ele, e o futuro ainda é abstrato demais. Nós, os adultos, é que somos nostálgicos ou preocupadíssimos com o amanhã. Por exemplo: estou sempre torcendo para que, como dizem os médicos que entrevistei, a gente esteja produzindo memória afetiva suficiente para que a Helena e a Aurora cresçam bem — e que, mais adiante, lembrem de nós como pais amorosos quando chegar a hora da inversão de papéis.
Apartadas do seu mundo, minhas filhas sonham. Investem na fantasia como forma de sublimar a realidade incômoda. Contam sobre as profissões que desejam seguir (cabeleireira, veterinária, designer...), sobre se querem ter filhos ou somente gatos, sobre a casa onde pretendem morar ou a viagem de férias que nunca fizeram. Eu, velho chato, não raro abro uma ducha de água fria. Ainda bem que minha esposa, a Bia, me recrimina.
Deixa as gurias sonharem, Ticiano.