Na última noite das férias, nossa filha mais velha, a Helena, subiu ao quarto do hotel acabrunhada, abriu a porta e, do alto de seus 10 anos, desabou na cama e no choro. Suas lágrimas não corriam pelo fim do passeio, pois de manhã ainda haveria bolo formigueiro e banho na piscina. Era outro o motivo de sua tristeza. Tentei consolá-la, mas confesso que, secretamente, seu lamento me contentou. Por quê?
Bem, três dias antes, descobrimos que o hotel seria a sede de um concurso de beleza, o Miss Grand Brasil. Meu pai, o vô Cláudio, foi quem avisou a Helena e a Aurora, nossa caçula, sobre a chegada das 22 candidatas, que circulavam pelos corredores sempre com faixa atravessada no peito, não importa se estivessem apenas indo tomar café da manhã.
Seguindo aquela ideia de fazer uma coisa pela primeira vez, resolvemos assistir à Preliminar de Gala, que incluiria uma “noite de risotos e massas”. Depois do desfile, surpresa: duas misses sentaram-se à nossa mesa. Minha esposa, a Bia, chegou a achar que uma delas estivesse se sentindo mal em cima dos saltos altíssimos. Aí percebemos a mesma movimentação nas outras mesas.
Demos sorte. Jantaram conosco a Miss Mato Grosso do Sul, Amanda, 20 anos e estudante de Psicologia, e a Miss Espírito Santo, Mylena, nutricionista de 24. As duas foram simpáticas e honestas – de cara explicaram: aquela socialização fazia parte dos compromissos das candidatas, que estavam sob os olhares dos jurados.
Não sei quem ficou mais bobo entre nós: Helena, Aurora ou meu pai, que logo mandou para amigos no WhatsApp uma foto na qual ele, sério, aparece ao lado de Mylena, sorridente, como se fosse o Woody Allen encantando uma musa de Hollywood.
Mais maturidade teve a Helena. Em seu momento de repórter, quis saber se havia amizade em meio à rivalidade; em seu momento de entrevistada, respondeu com elegância para quem torceria:
– Para todas!
Durante a conversa – em que meu prato repleto e repetido contrastou vergonhosamente com a frugalidade das misses –, entendemos por que só costumávamos vê-las no elevador ou, no máximo, no saguão: havia uma rotina puxada de eventos, como a prova do biquíni em uma vinícola, e ensaios. Logo após o jantar, ainda de barriga cheia (ou quase isso), as misses iriam até a madrugada ensaiando para o desfile final.
Na noite seguinte, lá estávamos nós, torcendo por Mylena e Amanda. As duas entraram no top 15, mas só a Miss Espírito Santo passou para o top 12, e depois para o top 9. A cada eliminatória, a Helena ficava mais ansiosa. Sofreu quando, após os discursos da paz, Mylena foi a última das cinco finalistas a ser chamada.
Restava uma pergunta às candidatas: se elas eram a favor ou não de o Brasil abrigar refugiados. Vieram os prêmios de fotogenia, de beleza corporal, de simpatia, de engajamento nas redes sociais. Mylena foi a única a ficar de mãos vazias – mas, no meu vão achismo, disse para a Helena que esse seria um sinal dos jurados de que ela ganharia. Quase: após instantes de suspense, Espírito Santo terminou em segundo lugar, atrás apenas da Miss Paraíba.
Foi então que o enorme sorriso no rosto da Helena murchou até se transformar em choro. Gastamos todas nossas palavras de consolo, explicamos que só uma poderia vencer e que a gente não pode insistir no conceito de que o segundo colocado é sempre um derrotado. Mas a Helena estava inconformada. E aí, abraçado à minha filha solucenta, um pedacinho do meu coração vibrou: Helena estava descobrindo que não se pode ganhar todas e, mais do que isso, estava desenvolvendo a empatia, estava sofrendo a dor de outra pessoa como se fosse sua. Que ela nunca trave essa habilidade.