Não são todas as noites – em algumas, pulamos de um seriado ou filme direto para o sono. Mas uma tradição em casa é ler antes de dormir. Às vezes, as gurias chegam a montar uma pilha do lado da cama. As duas (Helena, 10 anos, e Aurora, seis) já leem, mas tem dias em que preferem ficar só de ouvintes. Deve ser saudade de quando eram mais pitocas.
Privados, por causa do coronavírus, do colégio, da Redenção, do cinema, dos passeios para tomar sorvete e das festinhas de aniversário, revisitamos frequentemente nossa pequena biblioteca. E resolvemos compartilhar alguns dos títulos que, em diferentes fases da vida da Lelê e da Lóla, tornaram-se clássicos (para além dos imorredouros clássicos dos Irmãos Grimm, Hans Christian Andersen e Charles Perrault).
Não é difícil entender o porquê. Ou melhor, os porquês: pode ser pela habilidade do autor de abordar temas duros com delicadeza, pode ser pela brincadeira com as palavras, pode ser pelas mensagens positivas e edificantes, pode ser pela inventividade visual...
Ficam as dicas para atravessarmos mais um tempo longe da rua, mas dentro de um mundo encantado.
A Carta de Hugo
Escrito e ilustrado por Tom Percival, trata de uma situação comum a muitas crianças neste período da pandemia: o afastamento dos amigos. Quando o guaxinim Tony precisa se mudar, o urso Hugo passa a lhe enviar cartas, mas fica chateado por não receber respostas. Uma história sobre a palavra – a que escrevemos e a que empenhamos.
Um Gato que se Chamava Rex
Com ilustrações de Humberto Nunes, Lucas Barroso conta a história de um gato que se achava cachorro. Para além dos momentos de aventura, humor e tensão, o livro convida os pequenos leitores a pensarem sobre diferença, sobre papéis sociais (não raro, impostos), sobre respeito, sobre convivência e sobre finitude.
Orion e o Escuro
Qual criança que nunca sentiu medo da escuridão? Qual pai nunca precisou insistir para que a casa apague as luzes na hora de dormir? Emma Yarlett faz o protagonista pegar o Escuro pela mão e descobrir a beleza e a magia que só a noite proporciona: a Lua, as constelações e o sistema planetário.
Pinote, o Fracote, e Janjão, o Fortão
Publicado pela primeira vez em 1980, o livro de Fernanda Lopes de Almeida e Alcy Linares virou um clássico sobre bullying antes mesmo de esse termo pegar no Brasil. Janjão se aproveita do tamanho para mandar, abusar, ridicularizar os coleguinhas. Até que Pinote demonstra a força do pensar.
O Coração e a Garrafa
Era uma vez uma menina que adorava brincar e descobrir coisas com seu pai, até que um dia ela encontrou a cadeira vazia. Com sinceridade e delicadeza, o craque Oliver Jeffers (são dele também Achados e Perdidos e Como Pegar uma Estrela) ensina que perder e sofrer fazem parte da vida. Que as coisas não são para sempre – nem mesmo a dor e a tristeza. O tempo cura.
Jeremias: Pele
Eterno coadjuvante da Turma da Mônica, o menino negro ganhou o protagonismo para discutir justamente a falta de representatividade. Pelas mãos da dupla Rafael Calça (roteiro) e Jefferson Costa (desenhos), Jeremias enfrenta o preconceito e o racismo, os olhares de desprezo ou de desconfiança, as palavras desrespeitosas e as portas fechadas.
Flicts
Uma das obras-primas de Ziraldo, trata-se de uma recriação poética do patinho feio. Flicts é uma cor rejeitada que não encontra seu lugar no mundo – até descobrir que a Lua, "de perto, de pertinho", ostenta o seu tom bege terroso. O livro foi lançado em agosto de 1969, um mês depois de o homem pisar pela primeira vez na Lua.
A Bela e a Fera
Esta adaptação do célebre conto de fadas entra na lista porque é um desbunde visual. O artista Robert Sabuda criou uma versão em pop-up: castelos erguem-se das páginas, pode-se espiar pelas janelas, o rosto da Fera salta na nossa cara, os textos ficam sob abas e caixinhas. Toda essa beleza exterior não esconde a moral da história: a beleza que conta é a interior.
A Verdadeira História de Chapeuzinho Vermelho
Outra história clássica que ganhou uma roupagem interativa. Mas a dupla Agnese Baruzzi e Sandro Natalini foi além. Na trama, o Lobo resolve pedir ajuda de Chapeuzinho para deixar de ser Mau. O problema é que a coisa vira o fio: o peludo torna-se uma espécie de ídolo, tirando a popularidade da menina. Um conto sobre a era do culto à imagem.
Lobo Negro
Tem dois trunfos. Primeiro, não tem texto – cabe a pais e filhos transformar em palavras as imagens do artista Antoine Guilloppé (ou simplesmente imaginarem juntos, em silêncio, o que também é bacana). Segundo: é uma história sobre reversão de expectativas e sobre como, ao contrário do que sugere o jogo de claro e escuro da arte, o mundo não é em preto e branco.
Não É uma Caixa
Mais uma obra que estimula – e que celebra – a criatividade. No livro de Antoinette Portis, escreve Paulo Tatit, do duo musical Palavra Cantada, "vemos dois mundos que convivem diariamente: o da infância (no qual a imaginação é o que conta) e o mundo sério da maturidade. À medida que crescemos, uma caixa vai se tornando apenas uma caixa". Mas, escondida na caixa da vida adulta, é possível reencontrar nossa criança interior.
Cultura
O estímulo, aqui, é sonoro, rítmico. Os versos de uma canção do músico e poeta Arnaldo Antunes são ilustrados por Thiago Lopes, convidando o leitor a deslindar rimas inesperadas que envolvem o mundo animal: "O camelo é um cavalo sem sede / Tartaruga por dentro é parede". É um convite, também, a olharmos para os bichos e as palavras de um jeito mais poético.
Quem Soltou o Pum?
Jogo de palavras é a chave de toda a graça deste livro de Blandina Franco e José Carlos Lollo que virou uma série. O cachorro chamado Pum já estrelou outras quatro aventuras. Ler pela primeira vez a história é tarefa digna daqueles desafios Tente Não Rir. Começa assim: "Nada me deixa mais feliz do que soltar o Pum".
Quando Nasce um Monstro
De maneira divertida e surpreendente, Sean Taylor e Nick Sharratt mostram as bifurcações que a vida pode nos apresentar diariamente. Quando nasce um monstro, existem duas possibilidades: ou é das-florestas-distantes, ou é debaixo-da-sua-cama. Se for debaixo-da-sua-cama, ou ele come você, ou vocês ficam amigos.
Malala, a Menina que Queria Ir para a Escola
A paquistanesa Malala Yousafzai também tinha duas opções pela frente. Ou se resignava a uma vida longe da educação e dos livros – proibidos para as mulheres em seu país –, ou lutava para ir à escola. A jornalista brasileira Adriana Carranca foi ao Paquistão para reconstituir a trajetória da adolescente que, em 2014, ganhou o Prêmio Nobel da Paz.