Para salvar uma vida, você tiraria outra vida? Existe uma régua para medir se alguém merece morrer? Você teria a coragem — ou seria a covardia? Tomada essa decisão, como continuar vivendo com esse peso?
Esses são alguns dos dilemas que o roteirista e diretor australiano Zak Hilditch propõe no suspense Cascavel (Rattlesnake), uma produção da Netflix que estreou recentemente.
É o segundo filme que ele realiza para o serviço de streaming — em 2017, adaptara um conto do escritor Stephen King no angustiante 1922. Há pontos de contato entre as duas obras, a começar pela capacidade de gerar e manter a tensão com uma história cujo conflito se apresenta desde cedo, sem apelar para reviravoltas mirabolantes, flertando com o sobrenatural mas não traindo o embate psicológico e dispondo de um elenco mínimo de personagens.
Se em 1922 o ator Thomas Jane tem um ótimo desempenho como o homem que, por conta própria, escolhe matar, em Cascavel a atriz Carmen Ejogo (da terceira temporada de True Detective) também cativa na pele de uma mulher à qual o caminho do homicídio é imposto. Ela interpreta Katrina, uma mãe solteira que está viajando de carro com a filha pequena, Clara, do Arizona para o Oklahoma, nos Estados Unidos. São mais de 14 horas de jornada. Por isso, enquanto atravessa o Texas, Katrina, diante de um engarrafamento, resolve pegar um desvio. Como é típico ao gênero, há um preço a pagar: o pneu fura no meio do deserto. Pior: Clara sai para brincar e acaba mordida por uma cascavel.
A cobra convida a outra aproximação com 1922. No filme baseado em Stephen King, os ratos simbolizam a degradação moral do protagonista. Em Cascavel, a personagem principal é alertada por um chocalho ético de que está prestes a envenenar sua consciência. Clara é salva por uma mulher misteriosa, mas caberá a Katrina um preço que pode ser alto demais.
A partir daí, Zak Hilditch mergulha na transformação interior de sua protagonista, não raro traduzida apenas pelo olhar de Carmen Ejogo — é tocante a cena em que ela, escondida, observa o cotidiano de um relacionamento abusivo e violento. Ali estaria um homem que, de fato, merece morrer? Katrina estaria disposta a ir até o fim?
A estrada em que trafega oferecerá desafios a cada curva. Sombras a acompanharão,
e, com o bagageiro pesado, ela nunca mais deixará de olhar pelo retrovisor.