Eu, como qualquer atleta, tenho diversas referências esportivas e elas não se limitam só ao atletismo. Acompanho muitos profissionais de variados esportes e tento saber o máximo possível sobre eles. Por estar no esporte há quase 20 anos, é inevitável ouvir histórias, pesquisar e até mesmo trocar experiências com diferentes atletas. Sempre falo aqui na coluna, como precisamos de atletas de referência para que a próxima geração se espelhe e, desta forma, consigamos manter a “roda girando”. Mas, só recentemente, percebi que não havia falado quem é minha grande referência no esporte.
Após ir para as Olimpíadas de Tóquio, me juntei a um seleto grupo de atletas, os olímpicos, e isso é até hoje quase inacreditável para mim. Não entra bem na minha cabeça a ideia de que eu me tornei um dos que eu sempre admirei, é uma honra imensa. E refletindo sobre fazer parte de seletos grupos, para mim, é um objetivo de vida fazer parte de outro seleto grupo – o de atletas que atingiram a excelência fora do esporte. E por isso que, (após uma revisão comigo mesmo) se tratando de referência-mor, concluí que o maior atleta brasileiro de todos os tempos é Adhemar Ferreira da Silva.
Primeiramente que Adhemar Ferreira da Silva foi por muitas décadas o único brasileiro com duas medalhas de ouro consecutivas em esportes individuais (algo que foi repetido novamente só em 2021), nos Jogo Olímpicos de Helsinque, em 1952, e de Melbourne, em 1956. Pode haver algum tipo de contestação sobre a época, sobre o esporte não ser tão desenvolvido ou sobre as marcas não serem expressivas, se comparadas com hoje em dia.
Mas, independentemente da época, ganhar duas medalhas em Olimpíadas consecutivas é extremamente difícil. Dois ouros, então, é comparável a finalizar uma tarefa herculana. Qualquer atleta capaz de fazer isso está bem próximo do domínio dos semideuses.
Antes de Pelé
O bicampeonato olímpico consecutivo já seria motivo suficiente para colocá-lo no topo como o maior de todos os tempos, mas tem mais. Ele bateu o recorde mundial e olímpico do salto triplo diversas vezes. Numa época antes de Pelé, foi o primeiro atleta brasileiro a trazer visibilidade internacional para o Brasil e naquele tempo não era nem permitido ganhar dinheiro praticando esporte. Não só isso, mas por ser um negro retinto, ele provavelmente enfrentou inúmeras dificuldades ao longo da sua carreira por todo o contexto social-global que ainda via a raça como um motivo de desumanização de alguns povos.
Inclusive, por causa disso, Adhemar não podia se dedicar 100% aos seus treinamentos, tinha que trabalhar e estudar também. Estudo esse, tão enraizado em seu DNA, que o levou a se formar em 4 graduações — Belas-Artes, Educação Física, Direito e Relações Públicas; além de ser capaz de se comunicar em oito idiomas — português, inglês, alemão, japonês, finlandês, espanhol, italiano e francês. E aqui entramos na parte mais interessante sobre ele, a importância que dava para os estudos. Como conseguiu brilhantemente equilibrar a vida de atleta, estudante e trabalhador deveria ser motivo de pesquisa. Sinto que, de forma geral, deveria ser muito mais exaltado o quão fantástico ele foi também fora das pistas.
Analisando bem a história de Adhemar, comecei a ver alguns paralelos que temos em comum. Longe de mim querer me comparar a ele, que está numa prateleira própria até mesmo dentro da história do esporte mundial. Porém, me sinto muito orgulhoso em ter algumas similaridades na minha história parecidas com a dele. Adhemar também foi colunista de jornal, algo muito incomum para qualquer atleta da época, trabalhou como adido cultural do Brasil na Nigéria. Eu trabalharia sem dúvida nenhuma caso tivesse a oportunidade. E eu também sou um grande apreciador de idiomas, falo três fluentemente — português, espanhol e inglês, tenho um alemão muito básico e estou aprendendo francês. Enfim, esses são alguns dos principais motivos pelos quais o considero o maior atleta de todos os tempos.
Sempre que tenho a oportunidade de falar sobre a minha história, carreira e experiência como atleta, procuro fazer com que as pessoas que me acompanham entendam que nós, atletas, não somos apenas atletas. Cada um de nós somos infinitas coisas e temos infinitos sonhos, muitas vezes ficamos focados no lado esportivo e esquecemos de explorar ou procurar nos informar sobre as outras faces que os atletas têm. Adhemar Ferreira da Silva é um exemplo do quão longe alguém pode chegar se ele não se acomodar em nenhuma área e sempre buscar mais.