Quando ouvimos falar das histórias de atletas brasileiros, quase sempre há um componente de superação, vencer adversidades não só dentro, mas principalmente fora de seus esportes. É natural, afinal, já é sabido como é difícil viver de esporte no nosso país. Geralmente, acompanhamos mais de perto esportes que não são o futebol em ano de Jogos Olímpicos ou Jogos Pan-Americanos. E apenas nesses momentos pontuais que a grande população conhece outros atletas. Raramente, sabemos o caminho deles até chegar naquele momento, mas eu garanto que foi de muita renúncia e determinação.
Lembro-me da minha adolescência, dos tempos de escola tentando conciliar os estudos com o treino, tentava acordar (com muita luta) as 6h30min da manhã para estar na escola as 7h20min e voltar para casa só as 19h, pois em função da distância não teria como voltar pra casa antes de começar o treino de tarde. Chegava à noite em casa ainda tinha que fazer lição de casa e trabalhos do colégio antes de dormir, mesmo com o desgaste físico por treinar três horas durante à tarde. Boa parte da minha vida foi assim, essa era a minha rotina.
Meu caro leitor pode estar pensando que essa é uma rotina normal para qualquer trabalhador brasileiro e, realmente, há muitas pessoas com a rotina parecida, porém enquanto se é um adolescente, nos questionamos se isso é certo. Existem fases da vida para determinadas coisas e, quando se é atleta, parece que determinadas fases chegam mais depressa enquanto outras se prolongam antes de acontecer.
Hoje, olhando para trás, consigo dizer com tranquilidade que valeu a pena. Porém, tenho noção que ao falar isso é porque eu cheguei ao alto rendimento e participei da maior competição esportiva do mundo – as olimpíadas. Fico me perguntando como seria pra mim caso não tivesse chegado. A caminhada que percorri nesse meio tempo foi sem dúvida árdua e em diversos momentos a opção mais viável parecia ser desistir. Foram pequenas coisas que somadas se tornaram grandes coisas, e a cada situação adversa (que não foram poucas) eu me questionava se o que eu estava fazendo valia a pena.
Quando escolhemos nos tornar atletas, devemos entender o quanto antes que nós não podemos ter vidas “normais” enquanto a nossa carreira durar, lidaremos diariamente com a renúncia. Viagens com a família, amigos, celebração de datas importantes, feriados, aniversários, todas essas atividades serão comprometidas. E em diversos momentos, seremos os únicos a não participar delas. Cuidados com a alimentação vão nos fazer renunciar de algumas das nossas comidas preferidas, pensar no descanso vai nos impedir de permanecer até tarde em lugares, e viagens para treinamentos e competições vão nos impedir de conviver com as nossas famílias. Mesmo entendendo tudo isso, seguir esse caminho não é fácil, continua sendo extremamente difícil.
Quando escolhemos nos tornar atletas, devemos entender o quanto antes que nós não podemos ter vidas “normais”. Elas serão de certa forma solitárias enquanto a nossa carreira durar.
SAMORY UIKI
Atleta olímpico
E sabem por quê é tão difícil? Porque apesar de a maioria dos atletas ter que passar por tudo isso, não existe nenhuma garantia de que vamos atingir nossos objetivos e viver nossos maiores sonhos, é uma grande aposta. Parece loucura, mas é a nossa realidade. Muitos desistem no meio do caminho, alguns vão até esgotar suas ultimas forças e alguns vão muito longe, mas não conseguem, poucos conseguem. E até os que conseguem, às vezes, não são tão recompensados quanto gostariam.
Apesar disso, um fato muito curioso é que a grande maioria vai dizer que valeu a pena, acho que há um senso de nobreza em se entregar de corpo e alma em prol de um objetivo. Será esse um delírio coletivo?
Levando todos esses aspectos em conta, penso que a verdadeira determinação dos atletas está em aceitar uma vida de renúncias e, mesmo assim, seguir em frente. Acredito que isso nos torna diferente de outros grupos e dá sentido ao que fazemos. É isso que nos faz atletas.