Se cada vez mais as pessoas buscam experiências em suas viagens, as duas propostas a seguir, bem diferentes entre si, contêm os ingredientes para quem quer ir além de apenas "sobrevoar" os locais visitados.
Práticas de gelo na Bolívia
Talvez uma das primeiras coisas que o montanhista Henrique Franke ensine ao seu interlocutor é a desfazer a ideia de que escalar uma montanha é perigoso demais. A experiência exige muitos cuidados, admite, mas o roteiro pensado por ele na Cordilheira Real Boliviana pretende quebrar essa mística, levando tanto gente um pouco mais experiente quanto iniciantes com "boa aptidão física" (alguém, na definição dele, que não seja sedentário e se dedique a caminhadas e trilhas).
Como filosofia, Henrique, 33 anos, o 19º brasileiro a atingir o topo do Everest, acredita que a alta montanha é para qualquer um, ainda que seja uma experiência intensa: ar rarefeito, dificuldade de comer e dormir, frio, caminhadas longas...
— Mas não é preciso ser um superatleta. O que define se a pessoa pode ir é a própria pessoa — diz.
Com quase uma dezena de expedições como guia completadas, ele faz longas conversas prévias com os candidatos à aventura e sempre sugere uma preparação mais intensa de exercícios, além de check-ups para os interessados, em sua maioria com idades entre 40 e 55 anos.
Os grupos conduzidos por Henrique têm no máximo seis pessoas por expedição — serão três edições de práticas de gelo em 2022 e outro roteiro por vulcões na Bolívia, esse último para experientes. Para cada dois viajantes há um guia local, além dele e de um cozinheiro, que fica no acampamento-base para garantir conforto e auxílio na aclimatação. O roteiro de 11 dias começa na capital La Paz e segue à cordilheira, onde há preparação com técnicas de escalada em gelo e deslocamento em glaciares. São escaladas duas montanhas na região de Condoriri, Tarija e Pequeño Alpamayo e feita a subida em uma montanha de 6 mil metros na mesma região ou na zona do Sajama, dependendo das condições meteorológicas. É que uma montanha, explica Henrique, é um "ser vivo".
— Meu papel é fazer a leitura da montanha. Podemos mitigar boa parte dos riscos e tudo é feito com muito cuidado. Também se deve levar em conta que cada corpo se adapta à altitude de uma determinada forma — diz.
A escolha da Bolívia para as expedições tem várias explicações: nessa época, o clima é seco e estável; a chegada, por La Paz, já é a 3.625m e os locais da prática, próximos da capital, permitem diferentes técnicas de montanhismo. Sem contar ter sido onde Henrique fez sua estreia em alta montanha, além da beleza cênica e de um outro fator fundamental: o cultural — todos os guias são aimarás, descendentes desse povo pré-colombiano.
Engenheiro ambiental e gerente de projetos, o montanhista iniciou suas primeiras escaladas, em rochas, há uma década. Em 2015, passou a acalentar o sonho de subir ao cume do Everest (8.848m), o que conseguiu em 2018, após abandonar o emprego, criar a empresa VersusEuMesmo, e fazer sua preparação mais intensa. No ano seguinte, chegou ao topo do Manaslu (8.163m). Planeja completar as outras 12 e atingir as 14 montanhas com mais de 8 mil metros de altitude do mundo — a terceira, Dhaulaghiri, em setembro. Até hoje, menos de 50 pessoas cumpriram a peripécia e, em 2019, o nepalês Nirmal "Nims" Purja se notabilizou por fazê-lo em menos de sete meses (confira no documentário 14 Montanhas, 8 mil Metros e 7 Meses, disponível na Netflix).
Para ir
- Para o primeiro grupo, de junho, as vagas estão esgotadas, mas há expedições em julho e agosto. Informações no site versuseumesmo.com/praticas-de-gelo
Tour Aromático na Amazônia
Ana Luíza Medori é engenheira química, tecnóloga ambiental e pós-graduada em cosmética. Aline Alves é professora de Aromaterapia, aromaterapeuta, graduanda em Farmácia e astróloga. Juntas, fundaram em 2020 a Aura Cosmética e propõem agora um tour aromático pela Floresta Amazônica, uma imersão com aula prática de extração de plantas para óleos essenciais, buscando conscientizar para seu uso sustentável.
O roteiro, o primeiro com as duas à frente de um grupo com no máximo 15 viajantes, ocorre em parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema), o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e produtores locais.
Não será, é claro, a primeira vez da dupla na Amazônia. Desde 2020, elas já fizeram quatro incursões à floresta para conversar com os moradores/produtores, conhecer os processos e "arredondar" o tour. Quando se conheceram, em 2016, elas já trabalhavam com cosmética natural e tinham a atenção voltada às plantas brasileiras. Até então, porém, só tinham acesso à matéria-prima processada, mas, ao fazerem o primeiro passeio na mata, ficaram emocionadas e passaram a preocupar-se de forma mais profunda com a origem do que lhes chegava às mãos. Deram-se conta de que, como elas, muitos que trabalham com cosmetologia pagam caro por material importado sem valorizar os riquíssimos produtos brasileiros. Acharam que deveriam levar esse encantamento a outras pessoas que não apenas profissionais, mas a viajantes/turistas interessados no tema.
— Quem vai, volta diferente — pregam as sócias.
O grupo que elas conduzirem irá de Manaus à Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã (a cerca de 400 quilômetros da capital, numa viagem de cinco horas de carro, mais uma hora de barco) para conversar com produtores locais. Também está prevista uma visita a uma usina de óleos na Sema, com aula prática sobre a destilação do breu (Protium heptaphyllum March), um dos pontos altos do roteiro. O breu é a resina extraída das árvores e tem características cicatrizantes. A partir dele são produzidos os óleos essenciais _ em contato com o oxigênio, a resina se transforma em uma espécie de pedra que passa por lavagem e arraste a vapor, separando a água do óleo. Na cooperativa assistida pelo Idesam, todo o processo é rastreado e há um controle de quem coletou, quando e quanto de breu foi extraído.
Além de copaíbas, andirobas, amapás, cumarus, plantas usadas na cosmética, os viajantes também irão à comunidade ribeirinha Santa Luzia do Caranatuba para conhecer um berçário de pau-rosa. Ameaçado de extinção, o pau-rosa teve uso intenso na perfumaria, extraído de forma irresponsável por anos a fio. Agora, em comunidades como a Santa Luzia, há reflorestamento da espécie.
Para complementar o tour, haverá visitação a casas de farinha, banho no rio e meditação guiada com óleos essenciais. Como Ana Luíza e Aline não têm experiência com turismo, aliaram-se a parceiros locais para criar toda a infraestrutura, com hospedagem em pousadas atentas à sustentabilidade. O público que esperam atrair é de "amantes da natureza, pessoas que buscam uma conexão, que querem ver um outro lado da Amazônia, algo muito respeitoso".
Para ir
- De 9 a 14 de julho. Informações: @auracosmeticabr