À volta da mesa, havia uma Bárbara, uma Débora e uma Tábata. Que, nas vozes dos demais interlocutores, viraram Babs, Debs e Tabs. Seria por serem todas palavras proparoxítonas? Um recurso para dissimular as sílabas tônicas? Numa semana em que uma das notícias mais compartilhadas havia sido a de um pai ter batizado o filho como Corinthienzo, em homenagem ao time do coração, aqueles nomes e seus diminutivos ficaram martelando na minha cabeça.
O que os nomes dizem sobre nós mesmos? Por que tantos pais brasileiros escolheram como preferidos para seus rebentos, no ano passado – descontando o Corinthienzo –, Helena, Alice, Laura, Manuela, Valentina, Sophia, Isabella, Heloísa, Luiza e Júlia; Miguel, Arthur, Heitor, Bernardo, Davi, Théo, Lorenzo, Gabriel, Pedro e Benjamin? Por que nossos pais elegem aquela denominação e não outra e com que intenção o fazem?
Acharia bem bom que nomes resistissem ao tempo e aos modismos. Na minha família, há gerações e gerações de Antônios que ora são fashion, ora são démodé.
Revendo a versão de Sydney Pollack, de 1995, para o clássico Sabrina, uma cena me chamou a atenção: a personagem do título explica por que seu pai, Mr. Fairchild, assim a batizou. Leitor inveterado que optou por se tornar chofer para ter mais tempo para dedicar-se aos livros, Mr. Fairchild baseou-se em Sabrina Fair, do poeta John Milton, para nominar sua pequena fada. A literatura, eis aí uma boa fonte de inspiração, ainda que o poema em questão venha lá do século 17.
Acharia bem bom que nomes resistissem ao tempo e aos modismos. Na minha família, há gerações e gerações de Antônios que ora são fashion, ora são démodé (só para usar uma palavra fora da moda). Minhas avós se chamavam Luiza e Sofia, que na minha infância soavam antiquíssimos, e agora estão ambos no top 10.
Não há pequenas Rosanes por aí, saíram de moda faz tempo. Eu adorava saber por que eu tinha virado quem sou, quase obra do acaso. Minha mãe queria que eu fosse Paula. Meu pai brigava por Jaqueline. Mas, quando nasci, ele resolveu, sem consultar minha mãe, homenagear minha tia, a irmã que ela tanto amava e que havia morrido poucos anos antes. Chegou ao cartório com um nome composto: o Ana de minha tia, o Rosa de minha mãe. E eu seria, então, Ana Rosa. Mas o escrivão o convenceu de que não seria uma boa ideia me denominar da mesma forma que o fizera pouco antes um professor vizinho com sua filha. Sugeriu uma inversão: Rosa Ana. Melhor: Rosana. Mas, segundo meu pai, havia uma espécie de índex no cartório. Rosana não podia. Rosane, sim. E foi essa a certidão que ele apresentou à minha mãe ainda no hospital, não sem protestos dela.
Ao longo dos anos, me afeiçoei ao prenome e passei a não gostar que me chamassem pelo sobrenome. Nunca havia pensado a respeito até ler um texto relativamente recente na revista Piauí sobre pesquisa de uma psicóloga israelense radicada nos Estados Unidos. Stav Atir investigou o preconceito de gênero derivado da forma como os norte-americanos se referem a professores, cientistas, políticos e profissionais em geral – os homens identificados pelo sobrenome, as mulheres, pelo prenome. Foram oito pesquisas sobre o assunto a partir de 2015 (o resultado está no artigo “De que maneira o gênero determina o modo como falamos de profissionais”, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences), como parte de seu doutorado na Universidade Cornell, em Nova York.
Uma das conclusões a que chegou: os identificados pelo nome de família, e não pelo primeiro nome ou o nome inteiro, são apontados como mais conhecidos e mais merecedores de prêmios. Resultado de uma cultura patriarcal, segundo ela, o hábito acaba perpetuando a desigualdade de gêneros.
Interessante. Concordei com a conclusão. Mas, não, não mudei de ideia. Sigo não gostando de ser chamada pelo sobrenome, talvez eu mesma resultado dessa cultura. Prefiro o nome completo, por favor.