É preciso ser muito ingênuo (ou apaixonado) para acreditar que o ex-presidente Jair Bolsonaro foi fazer uma visitinha de cortesia à embaixada da Hungria, mas para o caso de a conversa com os líderes húngaros se prolongar levou o pijama, a escova de dentes e uma muda de roupa.
Pois foi essa a ideia que seus advogados passaram na nota que deveria ser explicativa sobre a notícia divulgada no New York Times, de que imediatamente após o recolhimento do seu passaporte, Bolsonaro dormiu duas noites na embaixada da Hungria, país governado pelo ultradireitista Viktor Orbán.
Seria mais honesto dizer que, sim, Bolsonaro teve medo de ser preso e foi procurar abrigo em um território no qual a polícia não pode entrar se ele tiver a prisão preventiva decretada.
As próximas noites talvez venham a ser passadas na embaixada da Argentina.
A dúvida agora é se pedir abrigo por duas noites a uma embaixada configura ou não um delito, quando a pessoa está com o passaporte apreendido. No caso de Bolsonaro, revela preocupação com a possibilidade de ter a prisão preventiva decretada e denota a intenção de pedir asilo político a um país cujo primeiro-ministro é companheiro de ideologia.
Pedir asilo é uma prerrogativa de quem se sente perseguido. Cabe ao outro país aceitar ou não. Bolsonaro poderia pedir refúgio, que é mais fácil de justificar. O asilo é uma instituição que visa à proteção frente a perseguição atual e efetiva. Já nos casos de refúgio basta o fundado temor de perseguição.
Como Bolsonaro não pediu asilo nem refúgio e uma embaixada é um território estrangeiro, a "visita" pode ser interpretada pelo ministro Alexandre de Moraes como tentativa de obstrução da Justiça, o que seria passível de prisão preventiva. O ministro ainda não se manifestou. Ao embaixador não cabe exigir passaporte de quem visita sua residência ou escritório.
Em sua longa carreira no Itamaraty, a embaixadora Leda Lucia Camargo, hoje aposentada, diz que nunca viu nada parecido:
— Jamais vi ou tenho conhecimento de caso igual. Quando recebi (a matéria do New York Times) até achei que era fake. Claro como água que parece negociação de asilo político. Que autoridades húngaras para conversar por dois dias? Uma embaixada não convida nem receberia para "hospedar" uma autoridade (ou ex-autoridade) estrangeira sem antes mil gestões com sua capital. Seria desgaste interno e internacional.
Confira a íntegra da nota da defesa de Bolsonaro:
COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA
O ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, passou dois dias hospedado na embaixada da Hungria em Brasília para manter contatos com autoridades do país amigo. Como é do conhecimento público, o ex-mandatário do país mantém um bom relacionamento com o premier húngaro, com quem se encontrou recentemente na posse do presidente Javier Milei, em Buenos Aires. Nos dias em que esteve hospedado na embaixada magiar, a convite, o ex-presidente brasileiro conversou com inúmeras autoridades do país amigo atualizando os cenários políticos das duas nações. Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de fake news.
São Paulo, 25 de março de 2024.