No mundo das resoluções, está tudo redondinho: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu as balizas para o uso da inteligência artificial na campanha eleitoral. Trata-se de uma iniciativa necessária para impedir o vale-tudo nas campanhas, e isso inclui a responsabilização das plataformas que não retirarem de circulação os materiais criminosos que venham a ser postados nas redes.
O problema é que as verdadeiras iniquidades de uma campanha não ocorrem na propaganda de rádio e TV, nem nas redes dos candidatos. Ninguém é bobo de se autoincriminar. O perigo mora na disseminação de montagens fora do universo regrado, para que se espalhem feito penas ao vento, sem que a vítima consiga juntá-las. Uma mentira disseminada num grupo de WhatsApp ganha pernas, asas e motor supersônico no mundo hiperconectado. Como fazer a contenção?
A desconstrução de adversários com base em mentiras precede a existência das redes sociais e vem de um tempo em que não se falava em inteligência artificial nem no cinema. Espalhavam-se panfletos apócrifos nas ruas e praças e às vezes isso bastava para que um candidato viável perdesse a eleição e ainda ficasse com a pecha de ladrão, marido traído, traidor, bêbado, homossexual (a expressão usada, claro, era outra, bem chula). Lá pelo final dos anos 1990 era comum tentar semear entre os jornalistas a dúvida sobre a saúde física (ou mental) do adversário. Não na propaganda oficial, fiscalizável, mas no ti-ti-ti da tia que trabalhava no hospital X e viu o candidato Y chegar em coma.
Nas últimas eleições as coisas se sofisticaram (para pior). Enquanto candidato posa de bom moço, a equipe do serviço sujo espalha boatos escondida no anonimato. As chamadas "tias do zap" são, em geral, inocentes úteis usadas para disseminar mentiras, porque é fácil identificar aqueles que acreditam em tudo e "compartilham sem dó", para usar a expressão mais característica que acompanha as fake news.
Com a inteligência artificial e a possibilidade de criar áudios e vídeos usando a voz de pessoas reais em montagens surrealistas, partidos, candidatos, jornalistas e integrantes da Justiça Eleitoral precisam redobrar os cuidados. É um mundo novo que se descortina, para o bem e para o mal.
Aliás
No Rio Grande do Sul, a Justiça Eleitoral garante que está preparada para enfrentar o uso criminoso da inteligência artificial, mas ninguém sabe até que ponto chegará a ousadia dos criminosos virtuais. Os candidatos deveriam ser os primeiros a orientar suas equipes a não cair na armadilha de achar que existe crime perfeito no submundo da internet.