Quem ouviu o discurso de posse do presidente da Argentina, Javier Milei, ficou com a sensação de que haverá um mergulho no caos antes de a situação começar a melhorar como resultado do pesado pacote que será anunciado nos próximos dias. O choque drástico inclui a liberação do câmbio, o corte de benefícios fiscais e sociais e aumento de impostos para encarar a falta de dinheiro.
Milei disse que esta é a pior crise da história da Argentina e que os últimos 12 anos foram especialmente trágicos. O período inclui os governos de Alberto Fernández, Maurício Macri, agora seu aliado, e Cristina Kirchner.
Diante dos admiradores postados em frente ao prédio do Congresso Nacional, Milei despejou números que ilustram a “herança maldita” recebida do kirchnerismo. Em nenhum momento falou em peronismo, preferindo atribuir a crise à família Kirchner.
— Vocês sabem que eu prefiro uma verdade incômoda a uma mentira confortável — disse o presidente diante da multidão que o interrompia para gritar “Milei, querido, teu povo está contigo”.
O presidente pintou um quadro em tons mais fortes do que se vê no país quando disse que “a Argentina está mergulhada num banho de sangue”. A violência é um problema, mas dizer que a Argentina está mergulhada num banho de sangue é um exagero como dizer, na campanha, que a Argentina já foi a maior potência mundial.
Da mesma forma, tratou a saúde e a educação como caóticas e até as estradas argentinas como péssimas. Pelos seus números, só 16% das estradas argentinas são asfaltadas e apenas 12% estão em bom estado de conservação.
Como antevendo que haverá protestos nas ruas em consequência das medidas duras que vai tomar nos próximos dias, Milei avisou que nada fora da lei será tolerado. A Argentina tem uma tradição de panelaços e interrupção de ruas durante protestos políticos.
Mais de uma vez, o presidente repetiu que o modelo adotado na Argentina nos últimos cem anos precisa ser enterrado porque só trouxe pobreza. Disse que só o liberalismo poderá fazer a Argentina voltar a crescer e recuperar seu papel no cenário econômico mundial. Alertou que antes de ver “a luz no fim do túnel” haverá um aprofundamento da crise.
A combinação de inflação altíssima com queda no Produto Interno Bruto (PIB), a temida estagflação, deve provocar agravamento da pobreza, que hoje afeta metade da população argentina.
O discurso em frente ao Congresso terminou como todas as manifestações que fez diante dos eleitores na campanha eleitoral e nos momentos seguintes à classificação para o segundo turno e à vitória no dia 19 de novembro, com o palavrão que leva os os apoiadores à loucura: “Viva la libertad, carajo! Viva la libertad, carajo! Vila la libertad, carajo”.
Karina é e será "o chefe"
O braço direito de Javier Milei na Casa Rosada será sua irmã Karina, a quem ele chama de "el jefe". Sim, "o chefe". Tudo passa por ela: a estratégia, a preparação dos cursos, os contatos com quem quer chegar a Milei.
Foi Karina quem entrou com o presidente no Congresso e não a namorada Fátima Florez, com quem circulou durante a campanha.
Passagem de bastão
Como deve ser numa democracia madura, Alberto Fernández não fugiu da raia. Ficou em Buenos Aires para transferir o bastão (literalmente) e a faixa presidencial.
A passagem do bastão é um rito da transmissão de cargo na Argentina.
Fernández, recordista de impopularidade na Argentina, por causa da crise econômica, entrou e saiu de cena discretamente, mas fez o que manda o protocolo.